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A aplicabilidade da lei 13.363/2016 aos casos de adoção unipessoal, adoção por casais homossexuais e adoção por transexuais

Por: Gabriela Expósito
Professora de Direito Processual Civil da Universidade Salvador. Mestranda pela UFBA em Direito Público. Membro da ANNEP e ABDPRO. Advogada.


Com apenas três dias da entrada em vigor da Lei 13.363/2016 as discussões sobre as suas repercussões estão acirradas.

A referida lei alterou o CPC/15 garantindo a suspensão do processo por 30 dias[1] no caso de a advogada, sendo única patrona da causa, dar à luz ou adotar. Assim, o atual art. 313 do CPC agora dispõe, no inciso IX, que “IX - pelo parto ou pela concessão de adoção, quando a advogada responsável pelo processo constituir a única patrona da causa” o processo será suspenso.

Além dessa garantia, o inciso X do art. 313, em conjunto com o § 7º, suspende o processo por 8 dias quando o advogado, único patrono da causa, tornar-se pai biológico ou adotivo.

Segundo Beatriz Galindo, Paula Sarno Braga e Fredie Didier Jr.[2], respondendo as provocações feitas por Edilson Vitorelli[3], a suspensão do processo independe de juntada de certidão de nascimento no dia do parto. Ainda segundo os referidos autores, o dia do parto é apenas o termo inicial de contagem da suspensão.

Já no que toca à produção dos efeitos desse benefício relativamente a processo em curso, apresentam os mesmos autores a proposta de que bastará uma petição nos autos requerendo a devolução do prazo, se, eventualmente, durante a suspensão por nascimento ou adoção, tenha se iniciado algum prazo. Ao juiz, nesse caso, cabe apenas declarar a existência do fato e do efeito suspensivo[4].

O texto da nova lei, porém, não resolve situações que merecem atenção:

1. No caso de adoção por casal homoafetivo, em que se encontrem como partes da relação mulheres, ambas com processos em que figurem como únicas patronas, o prazo para suspensão do processo após a concessão da adoção deverá ser de 30 dias para as duas ou apenas para uma delas?

2. Se, por outro lado, figurarem como partes da relação dois homens, em que ambos patrocinem causas sozinhos, quais seriam os prazos das suspensões?

3. Se a adoção for unipessoal, o prazo de suspensão, no caso de um homem adotante, será mantido? Apenas 8 dias?

4. E, ainda, na hipótese da adoção por transgênero, a suspensão do processo deverá ser pelo prazo definido pelo sexo social?

Vamos às propostas:

É nítido que a alteração legislativa ao ser elaborada não levou em consideração alterações sociais e culturais. O estabelecimento do prazo de suspensão foi definido em razão do gênero e não do papel do requerente na vida do neonato ou adotado.

Ao estabelecer o prazo de 8 dias para os pais, a lei ovaciona um modelo tradicionalista de sociedade que insiste em reduzir a participação ativa dos pais que, cada dia mais, ocupam um espaço maior na formação dos filhos.

Mas a nova realidade está posta. Resta-nos apenas tentar, na aplicação desses dispositivos aos casos não abarcados expressamente pela lei, garantir a incidência do postulado constitucional da isonomia sobre esses distintos cenários e, consequentemente, o melhor para o recém-nascido ou adotado.

Para as hipóteses em que a adoção seja realizada por casais homoafetivos do sexo masculino, devem os companheiros optar e se manifestar, antecipadamente, no processo, por qual deles terá o prazo de 30 dias e qual ficará com o prazo de 8 dias.

No caso de adoção homoafetiva, em que o casal seja formado por mulheres, a ideia é a mesma. A situação muda se, em lugar da adoção, ocorrer a fertilização in vitro: nessa hipótese a companheira parturiente é, pelo próprio texto da lei, a que terá o prazo de 30 dias.

Apesar de a lei determinar, no inciso X, em conjunto com o disposto do parágrafo 7º, que, caso o advogado se torne pai, será o processo suspenso por 8 dias, no caso de adoção unipessoal é plenamente viável pleitear uma dilação para garantir o prazo de 30 dias. O que deve ser levado em consideração, nesse caso, é o papel do pai da vida do adotante e a importância desse vínculo inicial para a formação da família.

O caso dos transgêneros é, sem dúvidas, o que acarretará mais divergência. A persistência da comunidade LGBTI é grande para assegurar que os transexuais sejam tratados socialmente de forma condizente com sua identidade de gênero. O Supremo Tribunal Federal ainda não encerrou o julgamento do RE 845779[5] que versa sobre o tema e que, com certeza, definirá as bases para decisões ligadas ao assunto. O relator do citado processo, ministro Luís Roberto Barroso, já se manifestou no sentido de reconhecer o direito fundamental dos transexuais acerca do tratamento social de acordo com sua identidade de gênero[6].

Tratando-se de hipótese de adoção por transexuais, em um primeiro momento, poder-se-ia, utilizando o argumento da identidade de gênero, estabelecer o prazo de suspensão do processo a partir do reconhecimento pessoal de gênero do adotante, aplicando-se, assim, o prazo de 30 dias para os transexuais femininos e 8 para os masculinos. Todavia, em situações tais, deve ser oportunizada a escolha do prazo de 30 e 8, a ser atribuído para cada membro, ou seja, a mãe (transexual feminino) adotante tem opção de escolher o prazo de 8 dias e conceder o prazo de 30 para seu/sua companheiro/cônjuge.

A lei 13.363/2016 não se preocupou em abarcar a complexidade das formações familiares, mas deve ser interpretada considerando esse dado. Assim, ao conceder o prazo de 30 dias para a mulher, a lei implementa uma segurança para a parturiente, que deve sempre ser respeitada, e protege o neonato, decisão louvável. Nos casos de adoção, essa interpretação deve ser diferente, o termo mulher para a concessão do prazo de 30 dias, deve ser interpretado para o membro da família que figure maternalmente na vida do adotante, de maneira que a solução para esses casos deve ser o franqueamento da escolha de atribuição dos prazos ao casal.

[1] O prazo de 30 dias foi estipulado pelo parágrafo 6o“No caso do inciso IX, o período de suspensão será de 30 (trinta) dias, contado a partir da data do parto ou da concessão da adoção, mediante apresentação de certidão de nascimento ou documento similar que comprove a realização do parto, ou de termo judicial que tenha concedido a adoção, desde que haja notificação ao cliente”.

[2] Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga, Beatriz Galindo.Suspensão do Processo por "Licença Maternidade": aspectos práticos da Lei n. 13.363/2016. Disponível em https://processualistas.jusbrasil.com.br/artigos/410542313/suspensao-do-processo-por-licenca-maternidade-aspectos-praticos-da-lein13363-2016. Acesso em 30. Nov.2016.

[3]Edilson Vitorelli. Mudou o CPC! As boas intenções das quais o inferno está cheio. Disponível em: http://www.edilsonvitorelli.com/2016/11/mudouocpc-as-boas-intencoes-das-quais.html. Acesso em 30. Nov. 2016.

[4] A decisão do juiz acerca da suspensão não tem cunho constitutivo, não há que se falar em decretação da suspensão, mas apenas de declaração.

[5] Informações sobre o referido RE http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp. Acesso em 01.12.2016.

[6] Notícias do STF, 19 de novembro de 2015, disponível em http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=304438. Acesso 30.11.2016.
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