Artigos

A impenhorabilidade de salários na corda bamba: a reiterada relativização no REsp 1.658.069/GO

Por: Mariana Ferradeira
Advogada. Graduada em Direito pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Pós-graduada em Direito Processual Civil e em Direito Privado Patrimonial pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ). Mestre em Direito Processual pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).



Este artigo tratará brevemente de alguns dos limites impostos ao credor, para satisfação do seu crédito, conferidos em favor do devedor. Recentemente, o julgamento do Recurso Especial n.º 1.658.069/GO, em 14.11.17, reiterou o posicionamento que vem sendo adotado pela 3ª Turma do STJ e foi bastante divulgado pela mídia.

A partir do descumprimento da obrigação de pagar, passa a ser necessária a análise da responsabilidade patrimonial (quem pagará) e dos bens que responderão pela satisfação da obrigação (o que). Aquela pode ser dividida em responsabilidade primária[1] e secundária, considerando-se a qualidade (ou não) de devedor. Se secundária, devemos atentar para o art. 790 do CPC, para aferir quem deverá arcar com a satisfação do crédito, embora não seja devedor nem coobrigado. Porque não será nosso foco, passemos ao art. 789 do CPC.

Por força do art. em referência, o devedor responde com todos os seus bens presentes e futuros para o cumprimento de suas obrigações, salvo as restrições estabelecidas em lei. É dizer que o devedor (em verdade, o responsável patrimonial) poderá ver expropriados todos os bens que integram seu patrimônio[2], até o alcance da dívida, ressalvadas as exceções. Quais são as restrições impostas pelo legislador? Parte delas foi enfrentada no julgamento supramencionado. Vejamos.

Somente o patrimônio pode ser objeto da satisfação do crédito. O corpo do devedor não pode ser utilizado para tal fim.[3] Não é só. Ao longo do tempo e da evolução das medidas executivas, foi incorporada a ideia do patrimônio mínimo, com o escopo de garantir a subsistência mínima do devedor. Não é todo o patrimônio do devedor que será alvo para o pagamento da sua dívida. Há uma limitação, estabelecida a priori pelo legislador, que pode implicar a frustração do credor.

A impenhorabilidade está envolta no cenário descrito; trata-se de uma exceção que torna intocáveis determinados bens do devedor, garantindo-lhe um patrimônio mínimo.

O legislador ponderou, pesou o ganho e a perda, a satisfação e a frustração e elegeu os referidos bens inatingíveis pela execução no art. 833 do CPC[4], de forma absoluta, e no art. 834 de CPC, tidos como de forma relativa, porque podem ser alcançados à falta de outros bens, os frutos e os rendimentos dos bens inalienáveis. Esta, em verdade, não é uma regra de impenhorabilidade, trata-se de regra de preferência, a exigir o esgotamento das tentativas de satisfação por meio de outros bens (penhoráveis) para que, enfim, os ali expostos possam servir para a satisfação do credor.

Mesmo a impenhorabilidade absoluta comporta exceções, dentre as quais três nos interessam: as apontadas no art. 833, inciso IV e inciso X c/c § 2º, ambos do CPC e no art. 3º da lei n.º 8.009/90.

O inciso IV do art. 833 do CPC determina que impenhoráveis os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal. A exceção está no § 2º do mesmo artigo: não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às importâncias excedentes a 50 salários-mínimos mensais.[5]-[6]-[7]

O inciso X do art. 833 do CPC dispõe que impenhorável a quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos.

A outra ressalva acima aduzida está no art. 3º da lei n.º 8.009/90. A impenhorabilidade do bem de família[8] é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo nas hipóteses elencadas nos incisos do referido artigo.

O STJ, em 14.11.17, à luz do CPC/73, discordou dos parâmetros apenas da primeira ressalva e modificou os requisitos legais, deixando ao alvedrio do julgador, no caso concreto, a estipulação do montante da remuneração inatingível (REsp 1.658.069/GO)[9]-[10]. É bem verdade que a flexibilização da impenhorabilidade do salário, em desconformidade com a norma e em defesa da proporcionalidade, já era encontrada em outras decisões.[11] Por exemplo, já se consignava em diversos julgados, enquanto vigente o CPC/73, a tese – esta, a nosso ver, correta - de que “na hipótese de qualquer provento de índole salarial se mostrar, ao final do período - isto é, até o recebimento de novo provento de igual natureza -, superior ao custo necessário ao sustento do titular e de seus familiares, essa sobra perde o caráter alimentício e passa a ser uma reserva ou economia, tornando-se, em princípio, penhorável”[12]. Até então, não havia limite de valor estabelecido pelo legislador; agora há, pelo que devemos aguardar para confirmar se será mantido o entendimento na vigência do CPC/15.

Certamente, a decisão em comento alegrou os inúmeros exequentes que não conseguem reaver seu crédito. Deixando de lado a consequência exposta, por não encontrar fundamento no ordenamento, é, a nosso ver, criticável o entendimento que vem sendo adotado. A regra mitigada não comporta a interpretação sugerida. O entusiasmo dos exequentes país afora, notadamente daqueles que veem do outro lado inadimplentes despreocupados, com um cotidiano de que não desfrutam seus credores, muita vez compartilhado em redes sociais sem qualquer constrangimento[13], não pode ser a resposta para o problema. De igual maneira, a resolução das muitas execuções empilhadas nos cartórios não pode ser a justificativa. A saída para o cenário dramático vivenciado por tais credores não pode ser oferecida pelo STJ contra legem. A escolha do legislador, em busca do equilíbrio entre a efetividade da execução (entrega do bem ao credor a que tem direito em tempo hábil) e a reserva do patrimônio mínimo ao devedor, é suscetível de crítica[14], mas foi feita. A saída para afastá-la, senão ao argumento de que inconstitucional, só se dá por meio de alteração do texto, após o devido processo legislativo, antídoto adequado para o defeito.

O problema é real e antigo e é presenciado em outras hipóteses de impenhorabilidade absoluta, mas a resposta e a malfadada ponderação do STJ param ali, abrindo-se campo, ainda, para a falta de coerência.

O limite de 40 salários mínimos escolhido pelo legislador no inciso X do art. 833 do CPC para que a quantia depositada em caderneta de poupança seja imune a penhoras que envolvam débito não alimentar não é questionado pelo STJ[15]. Ao revés, de certa forma, a norma extraída do texto é benevolente com o responsável patrimonial, haja vista que, em inúmeras decisões, se afirma que o devedor pode poupar valores sob tal proteção não apenas em cadernetas de poupança, mas também em conta corrente ou em fundos de investimento, ou em papel-moeda. Ademais, até alcançar o patamar de quarenta salários mínimos, o valor pode estar em mais de uma aplicação financeira.[16]

Para o STJ, o limite supracitado deve ser preservado, porque seria uma “presunção de que os valores depositados em caderneta de poupança até aquele limite assumem função de segurança alimentícia pessoal e familiar”; é – continua - um “benefício que visa à proteção do pequeno investimento, da poupança modesta, voltada à garantia do titular e de sua família contra imprevistos, como desemprego ou doença”.[17] A pressuposição não se aplicaria para as contraprestações descritas no inciso IV do art. 833 do CPC. A segunda conclusão é de que 40 salários mínimos compõem uma modesta poupança, ao passo que 50 salários mínimos são inaceitáveis como divisor da impenhorabilidade, se o alvo da expropriação judicial estiver descrito no inciso IV.

Na mesma toada, o valor do imóvel alçado à qualidade de bem de família não é perquirido no caso concreto pelo STJ para, ao final, ser mantida ou afastada a proteção em análise[18]-[19]. Ainda que alcançada a conclusão de que suntuoso o imóvel e de que possível a aquisição de outro imóvel, após a alienação e o abatimento do débito, mantendo-se a dignidade e a moradia da família, não é afastada a impenhorabilidade. A extensão do imóvel e o seu valor não são relevantes para a incidência da regra[20].

No mais, a tendência do STJ é não relativizar a proteção conferida ao bem de família sequer por manifestação de vontade do responsável patrimonial, por entender que inválida a renúncia à impenhorabilidade[21]. A manifestação de vontade pode integrar um negócio jurídico processual firmado entre as partes antes ou depois de iniciado o processo. Os limites da entabulação fogem do escopo deste artigo e, por isso, não serão aprofundados, mas serve a provocação para corroborar a tendência do STJ de tratar com rigidez a impenhorabilidade descrita no art. 1º da lei n.º 8.009/90, mas não a disposta no inciso IV do art. 833 do CPC.

Para finalizar essas breves reflexões, um lembrete: de acordo com o art. 926 do CPC, os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.

[1] Há ainda aqueles que têm responsabilidade patrimonial primária subsidiária, tal como exposto no § 1º dos art. 794 e 795 do CPC.

[2] O tema enseja debate doutrinário. O momento de definição dos bens presentes é, para uns, o da dívida, salvo os bens alienados ou onerados mediante fraude, isto é, se o patrimônio do devedor ainda for suficiente, após eventuais alienações, para saldar a dívida, não houve fraude. De outro lado, tem-se como corte temporal o início da execução, incluindo-se os bens alienados ou onerados mediante fraude, ou seja, abraçando os bens passados, que não mais integram o patrimônio do responsável, por força da fraude que permeou o negócio jurídico. O resultado, ao final, será o mesmo.

[3] A prisão, medida que recai sobre o corpo, não afasta ou fragiliza a afirmação, seja porque não gera a satisfação da obrigação (CPC, art. 528, § 5º) ou porque não tem lugar se acatada a justificativa do devedor pela impossibilidade de pagar o débito relativo aos alimentos (CPC, art. 528, § 3º). Por não ser pena, também é imposto pelo legislador um corte temporal (CPC, art. 528, § 3º), de modo a não eternizá-la e não descaracterizar a sua natureza de medida cominatória. A mesma ideia é encontrada no § 1º do art. 537 do CPC. Marcelo Abelha Rodrigues faz um “alerta sobre o perigo de se confundir ''medidas processuais punitivas'' com ''medidas processuais coercitivas'', e o risco de a ''efetividade do processo'' transformar-se em ''autoritarismo processual''”. Confira em O executado cafajeste II: medida coercitiva como instrumento da medida sub-rogatória, disponível em

http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI267289,31047-O+executado+cafajeste+II+medida+coercitiva+como+instrumento+da+medida. Acesso em 20.01.18.

[4] O CPC não esgota o rol. A famosa lei n.º 8.009/90, por exemplo, traz a impenhorabilidade do bem de família.

[5] O CPC/15 inovou, comparado ao correspondente art. 649 do CPC/73, ao excluir da impenhorabilidade todas as espécies de alimentos, independentemente de sua origem (e não mais apenas os decorrentes de parentesco), e limitar os incisos IV e X do caput do atual art. 833 do CPC a importâncias inferiores a 50 salários-mínimos mensais, no âmbito das execuções que envolvam débitos não alimentares.

[6] Se a obrigação for de prestar alimentos, também devem ser observados os art. 528 e 529 do CPC.

[7] Diversa é a hipótese de pactuação expressa, em contratos bancários, para o desconto por consignação, observado o limite legal, das verbas salariais recebidas pelo contratante, nos termos do art. 1º da lei n.º 10.820/03.

[8] A proteção se aplica também para o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas, conforme a súmula 364 do STJ, e para o imóvel alugado do responsável patrimonial, cujos frutos são voltados para a sua subsistência, nos termos da súmula 486 do STJ, justificada por ter tal garantia como alvo a moradia ou a subsistência da família.

[9] No caso concreto, o recorrente, que sofreu a expropriação judicial, afirmou ter como salário líquido cerca de R$ 3.600,00, muito aquém, portanto, dos atuais R$ 47.700,00 dispostos no § 2º do art. 833 do CPC/15. É importante registrar que não foi analisado o conjunto fático-probatório para aferir se correta a conclusão do tribunal local de que a constrição do percentual do salário fixado não compromete a subsistência digna do executado, nos termos da súmula 7/STJ.

[10] Também pela penhorabilidade de parcela da retribuição pecuniária, mesmo que não exceda a 50 salários-mínimos, DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: execução. 7ª ed. revista, ampliada e atualizada. Salvador: JusPodivm, 2017, pp. 829 e 830.

[11] Confira, por exemplo, em STJ, 4ª T., AgInt no AREsp 949104/SP, rel. Min. Lázaro Guimarães (desembargador convocado do TRF5), j. 24.10.17, DJe 30.10.17; 3ª T., REsp 1059781/DF, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 01.10.09, DJe 14.10.09; CE, REsp 1264358/SC, rel. Min. Felix Fischer, j. 18.05.16, DJe 02.06.16; 3ª T., REsp 1285970/SP, rel. Min. Sidnei Beneti, j. 27.05.14, DJe 08.09.14, também quando ainda vigente o CPC/73.

[12] O trecho foi extraído do acórdão relativo ao EREsp 1330567/RS, de que foi relator o Min. Luis Felipe Salomão, proferido em 10.12.14 pela Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça . Na ocasião, ressaltou-se que pacificado “o entendimento de que a remuneração protegida pela regra da impenhorabilidade é a última percebida – a do último mês vencido - e, mesmo assim, sem poder ultrapassar o teto constitucional referente à remuneração de Ministro do Supremo Tribunal Federal. Após esse período, eventuais sobras perdem tal proteção.” Notem que estabelecido um teto inferior aos atuais 50 salários mínimos a que faz alusão o § 2º do art. 833 do CPC.

[13]O autor Marcelo Abelha Rodrigues, em O executado cafajeste II: medida coercitiva como instrumento da medida sub-rogatória, se refere ao executado cafajeste como aquele que não adimple a obrigação no prazo processualmente previsto e, além de não cooperar com a jurisdição, faz de tudo para frustrar a execução, ostentando uma situação processual que não condiz com a vida que leva. O autor faz referência às constantes sanções processuais punitivas aplicáveis nesse cenário e sugere alguns critérios que podem trazer maior segurança para discernir se a medida a ser aplicada é punitiva ou coercitiva. Também aponta importante grupo de pesquisa com alunos do mestrado e da graduação da UFES que, com a colaboração acadêmica da processualista Dra. Trícia Xavier, conseguiram coletar e verificar dados de quase mil execuções para pagamento de quantia [excluídas as execuções especiais]. A conclusão apontou para um índice de execuções frutíferas tragicamente minúsculo. Dentre as muitas execuções infrutíferas existe uma significativa quantidade de executados cafajestes. Disponível em http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI267289,31047-O+executado+cafajeste+II+medida+coercitiva+como+instrumento+da+medida. Acesso em 20.01.18.

[14] O valor – atualmente de R$ 47.700,00 -, muito alto consideradas as condições econômicas da média dos brasileiros, não escapou das críticas da doutrina. Nesse sentido, NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil – volume único. 8ª ed. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 1.056.

[15] Nesse sentido, STJ, 4ª T., AgInt no AgInt no AREsp 868809/SE, rel. Min. Raul Araújo, j. 03.08.17, DJe 14.08.17. É bem verdade que o inciso X do art. 649 do CPC/73 já trazia o corte de até o limite de 40 (quarenta) salários mínimos para que absolutamente impenhorável a quantia depositada em caderneta de poupança.

[16] STJ, Segunda Seção, EREsp 1330567/RS, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 10.12.14. Essa conclusão deve ser elogiada, ao evitar que o devedor pulverize seus investimentos com o intuito de observar o limite legal em cada conta, gozando da impenhorabilidade, o que seria inaceitável.

[17] O trecho é recortado do mesmo acórdão: STJ, Segunda Seção, EREsp 1330567/RS, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 10.12.14.

[18] Na mesma data em que julgado o recurso mencionado no título do texto (REsp 1.658.069/GO), em 14.11.17, a mesma 3ª Turma do STJ, ao enfrentar a (im) penhorabilidade do bem de família, asseverou que a proteção visa a “tutelar o direito constitucional fundamental da moradia e assegurar um mínimo para uma vida com dignidade dos seus componentes” (grifamos), concluindo que “os imóveis residenciais de alto padrão ou de luxo não estão excluídos, em razão do seu valor econômico, da proteção”. STJ, 3ª T., REsp 1482724/SP, rel. Min. Moura Ribeiro, j. 14.11.17, DJe 28.11.17. Há decisões consonantes da 4ª T. do STJ. Em STJ, 4ª T., REsp 1351571/SP, rel. Min. Luis Felipe Salomão, rel. para o acórdão Min. Marco Buzzi, j. 27.09.16, DJe 11.11.16, o colegiado alertou que “questões afetas ao que é considerado luxo, grandiosidade, alto valor estão no campo nebuloso da subjetividade e da ausência de parâmetro legal ou margem de valoração”, problema que decerto ocorrerá com as remunerações se mantido o entendimento adotado no julgamento do REsp 1.658.069/GO.

[19] O TST, em mais de uma oportunidade, compartilhou do entendimento do STJ, ao lidar com verba alimentar em execução trabalhista. No julgamento do E-RR 16400-23.2003.5.01.0005, enfrentou a questão diante de um apartamento avaliado em R$ 12 milhões, penhorado e leiloado para liquidar dívidas com ex-funcionários. Em agosto de 2017, a 6ª Turma do TST, ao julgar o RR 709800-06.2006.5.09.0008, decidiu que impenhorável um imóvel residencial avaliado em R$ 13,5 milhões, na execução de uma ação trabalhista em que feito um acordo para o pagamento de R$ 1,5 mil a uma operadora de produção. De acordo com os executados, até maio de 2014, o débito era de R$3.261, ao passo que o imóvel tinha R$ 15 milhões como valor avaliado, afastando-se qualquer dúvida acerca da suficiência do saldo para aquisição de outro imóvel. O argumento não foi acolhido para a flexibilização da garantia.

[20] Para José Miguel Garcia Medina, há espaço para a análise do caso concreto. O autor excepciona a proteção se o “executado investir todo o seu patrimônio em imóvel excessivamente luxuoso e supérfluo, impedindo, com isso, a realização do direito de seus credores”. (MEDINA, José Miguel Garcia. Direito processual civil moderno. 2ª edição rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 1.112). Em consonância, admitindo-se a penhora de uma mansão milionária, que serve de sede familiar, após o reconhecimento da inconstitucionalidade da restrição no caso concreto, DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: execução. 7ª ed. revista, ampliada e atualizada. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 843.

[21] Nesse sentido, STJ, 4ª T., AgRg no Ag 1355749/SP, rel. Min. Marco Buzzi, j. 26.05.15, DJe 01.06.15. O titular tem a livre disposição do bem e pode, portanto, aliená-lo ou onerá-lo, mas não poderia indicá-lo à penhora. A 3ª T. já admitiu a referida renúncia ao concluir que o titular agiu em desconformidade com a boa-fé objetiva. No julgamento do REsp 1.461.301/MT, rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 05.03.15, DJe 23.03.15, o colegiado identificou a atuação “em descompasso com o princípio nemo venire contra factum proprium, adotando comportamento contraditório, num momento ofertando o bem à penhora e, no instante seguinte, arguindo a impenhorabilidade do mesmo bem, o que evidencia a ausência de boa-fé”, sendo esse o fundamento para não desconstituir a penhora do imóvel.
« Voltar