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Algumas considerações sobre a interrupção da prescrição como efeito do despacho que ordena a citação

Por: Mariana Ferradeira Sales Bezerra
Advogada, graduada em Direito pela Universidade Federal Fluminense (UFF), pós-graduada em Direito Processual Civil e em Direito Privado Patrimonial pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), mestranda em Direito Processual pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).


O art. 240 do CPC/15 manteve a maioria dos efeitos da citação válida, sejam os de natureza material ou processual, que eram previstos no art. 219 do CPC revogado: (i) a extensão da litispendência para o sujeito indicado como réu; (ii) a atribuição da característica litigiosa ao objeto do processo (usualmente referido como a coisa ou o direito)[1] também para aquele apontado como réu; (iii) a constituição em mora do suposto devedor[2], relevante para a incidência dos juros moratórios, ressalvadas as hipóteses trazidas pelos art. 397 e 398 do Código Civil; e (iv) a impossibilidade de alteração do pedido ou da causa de pedir, sem o consentimento do réu, essa por força do inciso I do art. 329 do CPC. Ditos efeitos permanecem incólumes se a citação foi ordenada por juízo incompetente.

O § 1º do citado art. 240 trata do ponto que nos interessa: a interrupção da prescrição, que não mais decorre da citação válida, mas do despacho que ordenou a citação[3]-[4]-[5], ainda que exarado por juízo incompetente para o julgamento do litígio, tal como ocorre com os efeitos da citação válida supracitados.

Como anunciado acima, nem sempre foi assim. A interrupção da prescrição constava na parte final do art. 219 do revogado CPC/73 como um dos efeitos da citação válida, o que foi tema de debate trinta anos depois, quando passou a vigorar o inciso I do art. 202 do Código Civil. Esse dispositivo, em descompasso com o diploma processual vigente à época, enumerava o “despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a citação” como uma das formas de interrupção da prescrição, desde que (a citação) fosse promovida pelo autor no prazo e na forma da lei processual. Da aparente antinomia surgiram entendimentos diversos na doutrina, que perderam a sua relevância em razão do recente encontro das normas.

Andou bem o CPC/15 ao alinhar os citados textos normativos.

O jurisdicionado deve ter cautela para o prazo estabelecido pela lei processual para o cumprimento do ato processual[6]. Isso porque a interrupção da prescrição retroagirá à data de propositura da demanda, desde que o autor adote, “no prazo de 10 (dez) dias, as providências necessárias para viabilizar a citação” (CPC, art. 240, § 1º e § 2º)[7]. A demora imputável exclusivamente ao serviço judiciário não será suportada pela parte quanto ao aspecto em exame[8], pelo que, se proposta a demanda no prazo legal e proferido o despacho que determina a citação após o exaurimento do referido prazo, em razão de demora provocada pelo próprio poder judiciário, não haverá de ser acolhida a prescrição ou a decadência e ser extinto o processo. No indesejável cenário sugerido, não há de se falar em inércia da parte durante o prazo legal. Era assim sob a égide do CPC/73 (art. 219, § 2º, parte final) e de igual maneira permanece no CPC/15 (art. 240, § 3º).[9]

Quanto aos termos inicial e final da interrupção, também não subsiste complexidade ou conflito: ela retroagirá à data em que proposta a demanda[10] (CPC, art. 240, § 1º) e findará no último ato do processo em que proferido o despacho que implicou sua interrupção, a partir do qual recomeçará a sua contagem (CC, art. 202, parágrafo único).

Podemos pensar na relevância da interrupção da prescrição para hipóteses diversas, como a de desmembramento do litisconsórcio multitudinário (CPC, art. 113, § 1º), em que prevalecerá a data da propositura da demanda original, para fins do termo inicial da interrupção da prescrição, de modo a não prejudicar os litisconsortes que integravam aquela multidão, que litigavam de forma conjunta e que da relação processual foram excluídos, em razão do comprometimento da rápida solução do litígio ou da dificuldade de defesa ou do cumprimento da sentença[11].

O raciocínio também se aplica para os casos em que o processo é extinto de forma anômala[12]-[13]-[14], cenário que excepciona a quantidade máxima de interrupções da prescrição imposta pelo legislador - uma única vez, nos termos do caput do art. 202 do CC -, haja vista que do despacho que determinar a citação no segundo processo naturalmente decorrerá o mesmo efeito.

Assim, na hipótese trazida a lume, o dia em que o processo for extinto, seja com ou sem resolução do mérito, será o termo inicial da nova contagem - porque o último ato do processo em que proferido o despacho que implicou sua interrupção (CC, art. 202, parágrafo único)-, desprezando-se o lapso que transcorreu antes da interrupção da prescrição. Isso porque não há de se falar em fluência do prazo prescricional enquanto pendente o processo no qual prolatado o despacho que ordenou a citação[15].

A ilação exposta não vale para os casos em que a extinção do processo decorrer da desídia da parte autora, que estão elencadas nos incisos II e III do art. 485 – quando o processo ficar parado durante mais de um ano por negligência das partes ou quando o autor não promover os atos e as diligências que lhe incumbir e abandonar a causa por mais de trinta dias, respectivamente. A ressalva é, portanto, para os casos de inércia da parte autora, em desfavor de quem será reconhecida a prescrição. Há diversos acórdãos do Superior Tribunal de Justiça nesse sentido[16].

A nosso ver, há outros breves comentários pertinentes sobre a interrupção da prescrição e as causas que implicam a extinção do processo sem resolução do mérito (CPC, art. 485). É o que mencionaremos adiante.

O inciso I aponta o indeferimento da petição inicial como causa da citada extinção. Ressalte-se que só será interrompida a prescrição, se já ordenada a citação da parte adversária.

O inciso V dispõe sobre o reconhecimento da existência de perempção, de litispendência ou de coisa julgada. Não é difícil perceber que a verificação da interrupção (ou não) da prescrição não será necessária, haja vista que não há de se falar em ajuizamento de outra demanda em que figurem as mesmas partes, com a mesma causa de pedir e o mesmo pedido.

Finalmente, também na hipótese disposta no inciso IX do mesmo artigo (morte da parte e impossibilidade de transmitir a ação por disposição legal), o debate será inócuo, haja vista que inviável a propositura de nova demanda para veicular o mesmo objeto litigioso. Isso porque, da mesma maneira que a sucessão processual, no caso de morte de qualquer das partes, pelo seu espólio ou pelos seus sucessores (CPC, art. 110), só é possível se o direito litigioso puder ser transferido[17], não há de se falar em propositura de nova demanda, após a extinção do primeiro processo sem resolução do mérito, sem que observada a possibilidade de transmissão do direito questionado em juízo.

Com base no que se expôs, é preciso ficar alerta para o efeito da interrupção da prescrição provocado pelo despacho liminar positivo, notadamente em razão da possibilidade de ajuizamento de nova demanda em busca da mesma tutela jurisdicional, em alguns casos de extinção do processo sem resolução do mérito, ou de tutela diversa, que mantenha relação de prejudicialidade com a questão abordada na ação pretérita, em que proferido o despacho interruptivo. As novidades promovidas pelo CPC/15 a que fizemos alusão também requerem um cuidado especial. O referido diploma processual vigora há menos de um ano e do curto lapso decorre a incipiência da análise e do debate de muitos aspectos relevantes.

[1] Há entendimento diverso na doutrina, no sentido de que a qualificação litigiosa é efeito da litispendência e não da citação; esta seria apenas seu marco inicial. Se ficar demonstrada a ciência do réu em momento anterior, o marco inicial para o caráter litigioso da coisa deve ser considerado daí, sob pena de afronta ao princípio da boa-fé.

[2] Notem que ressaltamos os efeitos com direcionamento para o réu, porque para o autor são aplicáveis e se manifestam em momento anterior, quando da propositura da demanda. Nesse sentido, o art 312 do CPC: “Considera-se proposta a ação quando a petição inicial for protocolada, todavia, a propositura da ação só produz quanto ao réu os efeitos mencionados no art. 240 depois que for validamente citado”.

[3] Daí por que não há de se falar em interrupção da prescrição como decorrência do despacho que determinou a emenda da inicial.

[4] O mesmo vale para a execução: “Art. 802. Na execução, o despacho que ordena a citação, desde que realizada em observância ao disposto no § 2o do art. 240, interrompe a prescrição, ainda que proferido por juízo incompetente. Parágrafo único. A interrupção da prescrição retroagirá à data de propositura da ação”. É importante atentar para os dispositivos que tratam do tema e trazem alguma peculiaridade. Nos casos em que a Fazenda Pública for ré, por exemplo, por força do art. 9º do decreto 20.910/32, “[a] prescrição interrompida recomeça a correr, pela metade do prazo, da data do ato que a interrompeu ou do último ato ou termo do respectivo processo”. (grifamos) Para as pretensões que envolvem ilícito praticado por pessoa jurídica contra a administração pública nacional ou estrangeira, o marco interruptivo da prescrição é o momento em que proposta a ação, por força do parágrafo único do art. 25 da lei 12.846/2013, cujo teor transcrevemos: “Na esfera administrativa ou judicial, a prescrição será interrompida com a instauração de processo que tenha por objeto a apuração da infração.”

[5] Para José Miguel Garcia Medina, não basta o despacho do juiz, a citação integra ato complexo que interrompe a prescrição, pelo que subsiste seu papel determinante quanto ao tema em análise. (MEDINA, José Miguel Garcia. Direito processual civil moderno. 2ª edição rev. Atual. E ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 419).

[6] Sobre o prazo mencionado, vale lembrar que não há mais a lambuja prevista no § 3º do art. 219 do CPC revogado, que dispunha que juiz poderia prorrogar o prazo por até outros noventa dias, caso o réu fosse citado no prazo anterior (também estabelecido como de dez dias).

[7] Nesse sentido, NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil – volume único. 8ª ed. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 558.

[8] Frisamos que as consequências não serão suportadas pelo autor quanto à matéria trazida à baila, porque tal atraso, possivelmente somados a outros havidos durante o trâmite do processo, poderá ocasionar e caracterizar uma demora injustificada para a entrega da prestação jurisdicional. Essa pode gerar o chamado dano marginal para ambas as partes, afundadas na angústia e na incerteza do desfecho que será dado ao processo, ainda que em intensidades distintas, uma vez que o efeito deletério da demora do processo certamente é maior para aquele que se consagra vencedor ao final, ou seja, para o titular do direito (CABRAL, Antonio do Passo. A duração razoável do processo e a gestão do tempo no projeto de novo Código de Processo Civil. FREIRE, Alexandre et al. Novas tendências do processo civil: estudos sobre o projeto do novo Código de Processo Civil. Salvador: Juspodivm, 2013).

[9] No mesmo sentido, a antiga súmula 106, do STJ: “Proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício, a demora na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da justiça, não justifica o acolhimento da argüição de prescrição ou decadência.”

[10] O efeito retroativo também se aplica à decadência e aos demais prazos extintivos previstos em lei. É o que textualmente dispõe o § 4º do citado art. 240. Fica obstada, portanto, a consumação da decadência.

[11] Nesse sentindo, os enunciados 10 (“Em caso de desmembramento do litisconsórcio multitudinário ativo, os efeitos mencionados no art. 240 são considerados produzidos desde o protocolo originário da petição inicial”) e 117 (“Em caso de desmembramento do litisconsórcio multitudinário, a interrupção da prescrição retroagirá à data de propositura da demanda original”), ambos do FPPC.

[12] O enunciado 136 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC) traz uma das hipóteses: “A citação válida no processo judicial interrompe a prescrição, ainda que o processo seja extinto em decorrência do acolhimento da alegação de convenção de arbitragem.”

[13] Em STJ, REsp 1.354.361/SP, 3ª T., rel. Min. Nancy Andrighi, j. 09.04.2013, DJe 15.04.2013 e em STJ, AgRg nos EDcl no REsp 1.074.907/RS, 6ª T., rel. Min. Og Fernandes, j. 07.06.2011, DJe 22.06.2011, também foi tida como interrompida a prescrição para a propositura de ação condenatória em razão do despacho liminar positivo em ação declaratória que versou sobre uma questão prejudicial, cuja apreciação e resolução eram necessárias, portanto, para o julgamento do mérito daquela ação a ser promovida posteriormente.

[14] A afirmação se aplica em relação à interrupção da prescrição para o ajuizamento de demanda individual como efeito da citação válida ou do despacho liminar positivo em demanda coletiva que tratou do mesmo direito homogêneo e que foi extinta sem resolução do mérito. Nesse sentido, STJ, REsp 1.055.419/AP, 5ª T., rel. Min. Laurita Vaz, j. 06.09.2011, em que asseverou o colegiado que a ilegitimidade ativa do substituto processual não afasta tal efeito.

[15] Há entendimento no sentido de que a longa paralisação do processo decorrente de conduta do autor (em verdade, da sua inércia) é causa para que reiniciada a contagem do prazo prescricional. É hipótese excepcional de prescrição intercorrente na fase de conhecimento, admitida expressamente pelo § 4º do art. 921 do CPC/15 na execução.

[16] É exemplo o STJ, AgRg no AgREsp 316.215-SP, 4ª T., rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 11.06.2013, DJe 18.06.2013.

[17] Há direitos que não podem ser transmitidos de forma absoluta e existem outros que, conquanto personalíssimos, podem ser transferidos se o antigo titular já tiver ajuizado a demanda em busca do seu reconhecimento e/ou da respectiva prestação. Nestas hipóteses, é possível a habilitação do espólio ou dos herdeiros, conforme o caso, para o prosseguimento do feito. Aqui, elas não estão abarcadas, porque irrelevante, para o debate proposto, a transmissão do direito condicionada à precedência da propositura da demanda ao falecimento (v. G., CPC, art. 393, parágrafo único). Isso porque, uma vez extinta a ação movida pelo de cujus, o espólio ou os herdeiros não poderão ajuizar outra ação, em busca do mesmo direito de que o falecido era titular.
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