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NCPC: Conciliação e Mediação: Uma visão sobre o novo sistema.

Por: Trícia Navarro Xavier Cabral
Juíza de direito (TJES), mestre em Direito Processual Civil pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), doutora em Processo Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Membro efetivo do Instituto Brasileiro de Direito Processual.


A Lei nº. 13.105/15 que instituiu o novo Código de Processo Civil estabeleceu como uma de suas premissas o incentivo ao uso de formas não adjudicatórias de solução de conflitos, como a mediação e a conciliação. Em seguida foi promulgada a Lei n. 13.129/15, que alterou a Lei n. 9.307/96 e aperfeiçoou o uso da arbitragem. Posteriormente, foi publicada a Lei nº 13.140/15 que trata da mediação nas esferas pública e privada, formando, assim, um microssistema de meios adequados de solução de controvérsias.

Registre-se que o CNJ, por meio da Resolução 125, desde 2010 já chamava para o Poder Judiciário a responsabilidade de incrementar as atividades de conciliação e mediação como mecanismos legítimos de resolução de controvérsias, tanto as pré-processuais como as judicializadas. E recentemente, em 08 de março de 2016, foi publicada a Emenda 2 que alterou e acrescentou artigos e Anexos à Resolução 125/10, compatibilizando o referido ato normativo às novas legislações.

Esse aparato legal deu um contorno contemporâneo ao acesso à justiça, disponibilizando amplas formas de ingressar no Poder Judiciário, e diferentes maneiras de se sair dele, com o uso da técnica que melhor atender às particularidades do conflito. Trata-se do modelo de Justiça Multiportas, que permite que os litígios sejam resolvidos por mecanismos que não se resumem à sentença adjudicada.

Na conciliação, apropriada para as relações sem vínculo de continuidade, o conflito é tratado pelo conciliador de modo a atender apenas aos interesses imediatos das partes, fazendo com que o alcance da autocomposição encerre a disputa, sem priorizar o relacionamento das partes envolvidas. Já a mediação é o método adequado de resolução de conflitos em que houver vínculo anterior entre as partes. O mediador, na qualidade de terceiro imparcial e devidamente capacitado, auxilia e estimula os interessados a identificarem ou a desenvolverem, por si próprios, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos. Assim, na mediação as próprias partes constroem, em conjunto, um sistema de decisão, satisfazendo a todos os envolvidos e oxigenando as relações sociais, com a participação de um terceiro intermediando ou facilitando o alcance do entendimento.

A conciliação e a mediação têm como objeto direito disponíveis ou direitos indisponíveis que admitam transação. Sua aplicação é ampla, podendo ocorrer antes, durante ou depois de um processo judicial, e ainda incluir controvérsias envolvendo interesses privados ou públicos. Essa abrangência dos institutos favorece a resolução de diferentes conflitos e funciona como importante ferramenta à disposição do jurisdicionado. Registre-se, ainda, a possibilidade de serem dirimidos conflitos coletivos e por transação por adesão nas controvérsias envolvendo a Administração Púbica Federal direta, suas autarquias e fundações, bem como nos litígios de natureza tributária e objeto de ação de improbidade administrativa. Ademais, a mediação e a conciliação podem ser realizadas de diversas formas, como pela internet ou outro meio de comunicação que permita a transação à distância, e ainda por parte domiciliada no exterior, facilitando, assim, a utilização desses importantes instrumentos de pacificação social.

No campo público, a conciliação e a mediação podem ser vistas sob a perspectiva do acesso à justiça, e, ainda, sob o contexto da Administração Pública.

No âmbito do Poder Judiciário, o aparato legislativo envolvendo o tema exigiu a criação de uma estrutura própria para atender a esses novos modelos de resolução de conflitos, que inclui a necessidade de regulamentações internas, espaços físicos e pessoal capacitado para a atuação na solução de controvérsias pré-processuais e judiciais, sem prejuízo de ainda homologar os acordos formulados extrajudicialmente, transformando-os em título executivo judicial.

Além disso, outro aspecto processual deve ser ressaltado: o CPC/15 procurou democratizar a relação jurídica processual, estabelecendo um equilíbrio na atuação dos sujeitos processuais, especialmente por incrementar o exercício da autonomia da vontade das partes dentro do processo, para tentar harmonizar as condutas das partes com a atuação do juiz. Neste contexto, a resolução do conflito pela autocomposição - o que inclui a possibilidade de escolha do conciliador ou mediador -, pode ser entendida como uma forma de exercício do poder de autorregramento, uma vez que disponibiliza às partes a opção pela realização de conciliação e mediação, ao lado da solução adjudicada.

Essa constatação é relevante, principalmente para fins de interpretação da obrigatoriedade da audiência de conciliação ou mediação prevista no início do procedimento comum pelo art. 334, do CPC/15. Isso porque a regra ali inserta é dirigida às partes, ou seja, não está na esfera de disponibilidade do juiz, tanto que exige a conversão de vontades dos dois polos da demanda para que o ato seja designado ou afastado do procedimento. Trata-se, pois, de um direito subjetivo do jurisdicionado ao uso desses métodos autocompositivos de solução de controvérsias, e não de ato de poder ou de gestão do magistrado. Daí porque não se pode concordar com a corrente doutrinária que defende que a falta inicial de estrutura ou a “intuição” do juiz quanto à inviabilidade de acordo justificaria a dispensa da referida audiência[1]. Em outros termos, a flexibilização procedimental ou a falta de estrutura judiciária não autorizam a supressão da audiência pelo magistrado e não podem comprometer a finalidade legislativa e nem o exercício desse direito pelas partes.

No campo da Administração Pública, tanto a Lei de Mediação quanto o CPC/2015 tratam da utilização da mediação e da conciliação em conflitos envolvendo os entes públicos, e entre estes e os privados. Sem dúvida essa previsão legal representa uma quebra de paradigmas sobre a possibilidade de disputas que envolvam interesse público se resolvem mediante autocomposição, com benefícios para todos os participantes. O assunto, que sempre foi alvo de intensos debates na doutrina pela questão da indisponibilidade, começa a ter uma interpretação condizente com o grau de interesse público envolvido no conflito, permitindo que controvérsias transacionáveis, ainda que referentes a direitos indisponíveis, sejam objeto de autocomposição, sepultando, assim, restrições injustificáveis e sem efetividade.

Além dessas diferenciações, não há dúvidas de que a Administração Pública pode e deve criar parâmetros e critérios objetivos, por meio de regulamentações específicas, capazes de lastrear e legitimar os acordos eventualmente firmados, dando segurança jurídica a todos os envolvidos. O que não pode é a Administração Pública refutar de plano as possibilidades de se resolver conflitos sob a pecha de indisponibilidade do direito ou de falta de previsão legal, o que, infelizmente, tem ocorrido na prática.

Já o campo privado terá um papel imprescindível na evolução e na consolidação do uso dos meios autocompositivos de resolução de controvérsias. Isso porque, embora o Poder Judiciário seja importante para chancelar, neste momento inicial, a cultura de utilização desses mecanismos, o fortalecimento do âmbito privado poderá absorver parte da atividade de solucionar os conflitos, resolvendo-os integralmente fora do Judiciário e evitando, inclusive, a judicialização, sem prejuízo de as entidades privadas estabelecerem parcerias com a Administração Pública para compartilhar práticas e ensinamentos.

De acordo com a legislação em vigor, as câmaras privadas poderão ser instituídas por profissionais de diversas áreas do conhecimento e devem ter em seus quadros conciliadores e mediadores capacitados de acordo com as diretrizes do CNJ, para que elas possam ser habilitadas perante o NUPEMEC do tribunal e indicadas aos CEJUSCS, bem como para que seus acordos sejam devidamente homologados.

Surge, então, um novo mercado de trabalho, não só para os profissionais autônomos no âmbito do direito privado, mas também para a estrutura da Administração Pública, que poderá criar câmaras de prevenção e resolução administrativa dos conflitos para dirimir controvérsias envolvendo somente os órgãos públicos, ou entre estes e o particular.

Os mediadores e conciliadores poderão inscrever-se no cadastro nacional do CNJ, cujo sistema será alimentado pelo próprio interessado, pela indicação de seu currículo e sua qualificação, das avaliações dos usuários e também do seu custo. Além disso, os tribunais podem criar o cadastro estadual, vinculado ao NUPEMEC.

Outra novidade foi o lançamento recente pelo CNJ da Mediação Digital[2], que é uma plataforma dirigida aos conflitos de massa, podendo ser utilizada, ainda, em créditos tributários. O objetivo é evitar a judicialização e reduzir o número de processos, e, ainda, quebrar o paradigma da educação contenciosa. A ferramenta funciona aproximando as partes por meio de troca de mensagens e informações virtuais, cujo acordo poderá ser homologado judicialmente.

Ademais, no FONAMEC (Fórum Nacional de Mediação e Conciliação) realizado nos dias 14 e 15 de abril de 2016 em Cuiabá/MT, o CNJ anunciou a criação do Escritório Digital, plataforma capaz de agregar e compatibilizar os diferentes sistemas de informática para auxiliar os advogados, contendo, ainda, a possibilidade de acesso a um link que permite a realização de mediação ou conciliação extrajudicial, cujo resultado poderá ser vinculado ao processo em tramitação para a homologação do acordo pelo juiz competente.

A resistência dos advogados ao uso da mediação e conciliação também será amenizada com a entrada em vigor das alterações do Código de Ética da categoria, uma vez que seu artigo 48 regulamenta de forma expressa os honorários conciliatórios e seu tratamento junto aos clientes[3]. Aliás, a OAB poderá contribuir sobremaneira para a mudança de postura dos advogados, por meio de uma nova política corporativa que valorize a autocomposição.

Por último, no âmbito privado será importante o engajamento das universidades, seja incluindo nas grades curriculares uma disciplina sobre a temática e mudando a educação litigiosa dos profissionais do direito, seja firmando parcerias para fomentar o uso desses mecanismos autocompositivos.

Como se vê, o Brasil tem sido prestigiado com um amplo acervo legislativo que autoriza e estimula a mudança de paradigma, de cultura e de atitude pelos atores e participantes dos conflitos sociais e de sua resolução. A judicialização excessiva das controvérsias criou problemas quantitativos e qualitativos na forma de se atender ao jurisdicionado, e somente a adoção de um novo modelo de justiça - o que inclui a participação do setor privado - com diferentes possibilidades de resolução dos conflitos, será capaz de equilibrar os papéis das instituições no alcance da pacificação social, humanizando as relações e resgatando a credibilidade dos diferentes segmentos da sociedade civil.

[1] Nesse sentido ver artigo de Fernando da Fonseca Gajardoni, disponível em: http://jota.uol.com.br/sem-conciliador-nao-se-faz-audiencia-inaugural-novo-cpc. Acesso em: 15 de maio de 2016.

[2] Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/mediacaodigital/>. Acesso em: 23 de maio de 2016.

[3] Disponível em: http://www.oab.org.br/arquivos/resolucaon022015-ced-2030601765.pdf. Acesso em: 23 de maio de 2016.
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