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NCPC: Requisitos para concessão da tutela provisória de evidência

Por Carolina Uzeda Libardoni
Advogada (Gordilho, Napolitano e Checchinato Advogados), mestranda em Direito Processual Civil pela PUC/SP, especialista em Direito Processual Civil pela PUC/RJ e em Direito Civil e Processo Civil pela Universidade Estácio de Sá. Professora do curso de Especialização em Direito Processual Civil da PUC/RJ. Membro efetivo do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Membro do CEAPRO.


Dentre as duas espécies de tutela provisória[i][ii] está a tutela de evidência, prevista essencialmente no art. 311, do CPC/15 que, assim como a tutela de urgência, tem como finalidade inverter os ônus da demora do processo, retirando-os daquele que demonstra evidência do direito alegado.

Se a parte apresentar ao juiz qualquer das hipóteses previstas nos incisos do art. 311, ele deverá conceder a inversão requerida, seja antecipando a tutela satisfativa, seja, conforme o caso, determinando uma medida cautelar[iii].

Dito isso, em se tratando de requisitos para a concessão da tutela de evidência e antes de entrar nas hipóteses específicas do art. 311, é importante ressaltar que a ela se aplicam os requisitos genéricos para a concessão da tutela provisória, exigindo, portanto, o requerimento da parte, que pode ser do autor ou do réu[iv]. Não se admite a concessão de tutela provisória de ofício e, ainda nos casos de medidas cautelares, a atuação oficiosa do magistrado foi restringida pela lei, que não apenas extirpou do ordenamento a autorização expressa[v], como afirmou no art. 299 que a tutela provisória será requerida.

Ainda no que diz respeito aos requisitos genéricos para concessão de tutela provisória, é necessário que a parte apresente probabilidade do direito alegado. O art. 311 fala apenas que a tutela de evidência será concedida independentemente da demonstração de perigo, quando presentes as situações previstas em seus incisos, o que não exclui a necessidade de existência de probabilidade do direito. Muito embora seja possível afirmar, em um primeiro momento, que se o direito é evidente, por consequência lógica, a probabilidade está presente em seu “grau máximo”, tal premissa não se aplica a todas as hipóteses de tutela de evidência. O art. 311, I, por exemplo, exige apenas o abuso do direito ou manifesto propósito protelatório da parte requerida, todavia, nesses casos, o juiz somente poderá conceder a tutela de evidência se existir probabilidade do direito da parte que a requer.

Ora, se a parte não apresenta o mínimo de viabilidade de deferimento de seu pedido de tutela final, não importa quão abusiva seja a conduta de seu adversário; o juiz não estará autorizado a conceder a tutela de evidência.

Pode-se dizer que o direito autorizador da concessão da tutela de evidência, conforme expresso no CPC/15, é aquele provável (a mesma probabilidade necessária à concessão da tutela de urgência) que, por sua vez, encontra reforço em um dos incisos do art. 311. É justamente tal reforço, em situações específicas trazidas pelo código, que transforma o direito provável em direito evidente, passível de tutela provisória. Por certo, os incisos II, III e IV do art. 311 trazem em si característica de evidência do direito que logicamente dispensaria a existência do requisito 'probabilidade', uma vez que intrínseco; todavia, não posso refutar de plano a possibilidade de surgimento de novas hipóteses autorizadoras da concessão da tutela de evidência, as quais, a exemplo do inciso I, podem exigir a demonstração de probabilidade do direito.

Passando aos requisitos específicos, temos no inciso I a reprodução da tutela de evidência prevista no CPC/73 para os casos de abuso do direito de defesa e manifesto propósito protelatório da parte.

A doutrina insistentemente costuma tratar a hipótese prevista no inciso I como tutela de evidência sancionadora. Ela seria uma punição para o indivíduo que abusa do direito de defesa [exercido pelo autor e pelo réu] e que age com manifesto propósito protelatório. Não posso concordar com tal afirmativa e fazer isso seria ter que admitir, por coerência, a possibilidade de o juiz deferir tutela de evidência de ofício, uma vez que é seu dever “reprimir qualquer ato contrário à dignidade da justiça” [art. 139, III] e sancionar condutas abusivas e de má-fé. A tutela de evidência, no meu entendimento, foge às sanções previstas em lei para as hipóteses de abuso do direito [e manifesto propósito protelatório, que nele está incluído], essas, sim, que podem ser deferidas de ofício.

O abuso do direito acarreta o surgimento de uma presunção de evidência. O indivíduo que tem razão não abusa, não busca atrasar o processo. O sujeito que acredita ser o titular do direito em discussão quer e luta por um processo célere, apresenta argumentos reais, adequados e fundamenta de forma coerente sua defesa. Daí por que, ao agir de forma diferente, criando incidentes inúteis, apresentando uma defesa risível e não fundamentada, trazendo aos autos debates vazios de significado [etc.], a parte indica ao juiz que não possui o direito questionado, levando, como um reflexo de suas atitudes abusivas, à conclusão de evidência do direito da parte contrária.

Não se trata, portanto, de sanção, mas sim de interpretação dos atos processuais da parte que conduz ao reforço da probabilidade do direito e à concessão da tutela de evidência.

A segunda hipótese para concessão da tutela de evidência é a comprovação apenas documental do direito e a existência de tese firmada em julgamento de casos repetitivos (definidos pelo art. 928) ou em súmula vinculante. Isto é, se a parte conseguir fazer a prova de seu direito já na inicial (ou contestação), por meio de documentos, prova emprestada ou, até mesmo, da produção antecipada de prova, e tiver, em seu favor, precedente vinculante, o juiz poderá conceder a tutela de evidência. O direito da parte, no caso, já está garantido pelo precedente e, sendo desnecessária a produção de qualquer prova, o juiz não poderá se esquivar de conceder a antecipação de sua satisfação.

Em se tratando de tutela de evidência fundamentada em precedente, é natural que, para requerê-la, a parte apresente o respectivo cotejo, indicando em quais pontos seu caso se assemelha ao paradigma, e justificando sua adequação à matéria outrora decidida. Não basta indicar o enunciado da súmula vinculante, nem a ementa do julgado; é preciso, desde logo, que a parte apresente adequadamente os motivos pelos quais entende que seu direito está tutelado pelo precedente proferido em julgamento de recursos repetitivos ou que gerou súmula vinculante. Isso é necessário até mesmo para o exercício do contraditório.

O inciso II admite mais uma consideração. Entendo que ele deve ser interpretado de forma mais ampla, não ficando restrito às hipóteses de julgamento repetitivo ou de súmula vinculante. Pode-se fazer um paralelo com as hipóteses para improcedência liminar do pedido, previstas no art. 332, que não deixam de ser situações nas quais é reconhecida a evidência do direito do réu, antes mesmo de sua citação, de tal forma que possa ser concedida a tutela de evidência – para o autor ou para o réu - sempre que, dispensada a fase instrutória, o pedido estiver de acordo com (i) enunciado de súmula do STF, vinculante ou não, e do STJ; (ii) entendimento firmado em julgamento de recursos repetitivos; (iii) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência; e (iv) enunciado de súmula de tribunal de justiça sobre direito local.

Ressalte-se que todas as demais hipóteses estão previstas no art. 927, que trata dos precedentes, o que corrobora a vinculação do magistrado, bem como a evidência do direito do requerente. E nem se pode cogitar da inaplicabilidade de súmula de tribunal sobre direito local pela falta de identidade[vi], pois se trata de requisito menos amplo que o próprio inciso V do art. 927[vii].

Assim, tem-se por necessário, considerando que não há qualquer motivo plausível para que o art. 311, II tenha excluído de seu rol a totalidade dos precedentes enumerados no art. 927, que estes sejam aplicados à tutela de evidência, com amparo também no art. 332 (direito evidente do réu concedido liminarmente). Não há o que se falar, na hipótese, em lesão ao contraditório, uma vez que, intimado da tutela de evidência concedida (quando deferida liminarmente), a parte atingida poderá requerer a sua revogação, seja ao próprio juiz, seja por meio de recurso, demonstrando a existência de distinção e o não cabimento do precedente ao caso.

O inciso III do art. 311 trata da extinta ação de depósito e dispensa maiores ponderações. Sempre que a parte tenha prova documental adequada do contrato, o juiz determinará a entrega do objeto custodiado. A inclusão desse inciso serve, inclusive, como resposta à Súmula Vinculante nº 25 que, ao declarar a ilicitude da prisão do depositário infiel, retirou da ação de depósito boa parte de sua efetividade.

O último inciso prevê que se a petição inicial foi instruída com prova documental suficiente, que o réu não consiga refutar em sua defesa, o juiz poderá conceder a tutela de evidência. Em uma análise preliminar, pode-se concluir que, pelo menos em regra, o inciso IV inclui a hipótese de tutela de evidência concedida na sentença. Isso porque exige que o autor produza prova documental e que seja oportunizada ao réu a possibilidade de produzir prova para gerar dúvida razoável, o que implica, por certo, no exaurimento da instrução.

Veja-se que a lei fala em possibilidade de o réu opor prova capaz de gerar dúvida, o que implica a necessidade de conceder à parte a oportunidade de provar – por todos os meios previstos em lei - suas alegações. Requerida a prova e deferida, deve o juiz aguardar sua produção para, apenas após, avaliar se é caso de deferir a tutela provisória de evidência.

A necessidade de já ter sido superada a fase instrutória, leva à conclusão que a tutela provisória de evidência prevista no inciso IV, do art. 311 será deferida na sentença, uma vez que é o ato logicamente subsequente à instrução. Verificando, portanto, que o réu não foi capaz de gerar dúvida razoável, apesar das provas apresentadas, o juiz concederá, na sentença, a tutela de evidência.

Obviamente poderão existir hipóteses nas quais, por motivos externos, o juiz não possa sentenciar imediatamente após o término da instrução; nesses casos admite-se, até mesmo para sanar os efeitos de um prolongamento inesperado da atividade jurisdicional, a concessão de tutela de evidência, na forma do inciso IV, antes da sentença.

Ressalte-se que, nos casos em que a discussão for exclusivamente de direito ou que o réu não apresentar prova suficiente, a defesa adequada de seus interesses (que pode – sim – admitir como incontroversos os fatos) exclui a possibilidade da concessão da tutela de evidência. O réu pode, por exemplo, admitir a existência do contrato e da obrigação de pagar, todavia, afirmar a perda da pretensão pela prescrição. O debate não desperta pela produção ou não de determinadas provas, a questão é eminentemente jurídica e não se pode cogitar da concessão da tutela de evidencia nesse caso.

O inciso IV coíbe a defesa não séria. O réu, no caso, produziu provas, insistiu na instrução e, ainda assim, não foi capaz de sequer gerar dúvida razoável. Versa sobre debates exclusivamente de fatos, fatos estes que, apesar da instrução e das provas apresentadas pelo réu, foram comprovados com facilidade[viii].

Ele não se aplica, portanto, às hipóteses em que haja efetivo debate sobre questões de direito, as quais, salvo se estiverem respaldadas por precedente vinculante, excluem a possibilidade de concessão da tutela provisória de evidência.

O inciso IV tem sido tratado mais como um método de supressão do efeito suspensivo da apelação, do que propriamente uma das hipóteses para concessão de tutela de evidência, pois permite ao juiz, mediante requerimento, dar eficácia imediata à sentença, escapando da regra prevista no art. 1.012. Justamente por isso faz-se necessária uma leitura cautelosa da hipótese que autoriza a concessão da tutela de evidência, impondo-se que o inciso IV apenas seja aplicado quando o debate existente no processo versar exclusivamente sobre matéria fática e que, oferecida ao réu a oportunidade de provar o que alega, ele não se desincumbir de seu ônus que, aqui, é apenas e tão somente o de gerar dúvida razoável (e não o de efetivamente provar suas alegações). Dar interpretação diversa ao inciso, ampliando irrestritamente sua aplicabilidade, poderá levar à banalização do seu uso, com a concessão indistinta nas sentenças de procedência do pedido, desvirtuando a finalidade do instituto.

O CPC prevê a tutela de evidência também no art. 1012, § 4º, admitindo que, demonstrada a probabilidade de provimento do recurso, seja atribuído efeito suspensivo à apelação que originariamente não tenha. A lei pecou ao exigir apenas a probabilidade, sem identificar o grau de sua incidência ou a forma de sua avaliação, especialmente se considerarmos que todo e qualquer recurso sério possui alguma chance de ser provido.

Considerando que entender a probabilidade prevista no § 4º como aquela genérica para concessão da tutela provisória implicaria em, necessariamente, esvaziar a tutela de urgência recursal, o que não parece ter sido a intenção do legislador; entendo que para atribuir efeito suspensivo ao recurso de apelação que não o tenha, é necessário que essa probabilidade se apresente em grau máximo, representando a evidência do direito do recorrente.

A tutela de evidência, como posta no CPC/15, foi – sem dúvida – um grande avanço na busca pela efetividade da tutela jurisdicional, reduzindo os efeitos do tempo e mostrando-se um meio real de garantir um processo mais célere, justo e cooperativo, servindo como um método de inibição das defesas abusivas, não sérias e contrárias a precedentes obrigatórios.

[i] Opto aqui por falar em tutela de evidência e não tutela da evidencia, acolhendo o entendimento de Bruno V. Da Rós Bodart (Tutela de evidência: teoria da cognição, análise econômica do direito processual e comentários sobre o novo CPC – 2. Ed. Rev., atual. E ampl. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. P. 112.

[ii] OCPCC tratou a tutela provisória como gênero, das quais são espécies a tutela de urgência e a tutela de evidência, incluindo uma parte geral, com disposições que se aplicam a ambas.

[iii] Acredito na possibilidade de concessão de tutela de evidência cautelar, todavia o tema é complexo e extremamente controvertido, fugindo aos limites traçados para esse artigo.

[iv] A tutela de evidência deferida em favor e mediante requerimento do réu também é tema controvertido. Entendo que pode ser deferida além dos limites da reconvenção, abrangendo a antecipação dos efeitos da improcedência do pedido do autor, bem como os meios para garantir o resultado útil do processo.

[v] Havia previsão expressa para a concessão de ofício de medidas cautelares noCPCC/73, em seu art. 7977, que dispunha que “só em casos excepcionais, expressamente autorizados por lei, determinará o juiz medidas cautelares sem a audiência das partes”. A norma não foi reproduzida no CPC vigente.

[vi] Foi debatido enunciado nesse sentido no Fórum Permanente de Processualistas Civis, realizado em março de 2016, na cidade de São Paulo. A proposta de enunciado, que buscava ampliar a tutela de evidência às hipóteses previstas no art. 332, todavia, não foi aprovada no grupo de tutela provisória e sequer foi levada à plenária.

[vii] Nesse sentido, mas sem relacionar diretamente com os artigos3322 e9277, é o Enunciado300 do Enfam: “É possível a concessão da tutela de evidência prevista no art. 3111, II, doCPC/20155 quando a pretensão autoral estiver de acordo com orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle abstrato de constitucionalidade ou com tese prevista em súmula dos tribunais, independentemente de caráter vinculante.”

[viii] É perfeita a lição de José Miguel Garcia Medina, ao afirmar que “de certo modo, a fragilidade da prova apresentada pelo réu “fortalece” aquela que, antes, havia sido apresentada pelo autor. Pode-se dizer que o autor ostentava algo muito provável que, face a debilidade da prova apresentada pelo réu, passou a adquirir mais veemência, passando a ser considerada “evidente” pela lei processual. ” (Novo Código de Processo Civil comentado: com remissões e notas comparativas ao CPC/1973. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. P. 502)
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