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O agravo de admissão do art. 1.042 do novo código de processo civil

Por: Paola Roos Braun
Mestra em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS. Especialista em Direito Notarial e Registral pela Uniritter, - Laureate International Universities. Membro da Academia Brasileira de Direito Processual Civil e do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Advogada.


O NCPC entra em vigor embasado em uma ideologia que procura superar os pontos de estrangulamento do sistema processual, com vistas à efetividade dos direitos e à abreviação do tempo de duração das demandas judiciais, amoldando-se melhor ao paradigma constitucional inaugurado em 1988, até porque se trata do primeiro Código de Processo Civil elaborado em regime democrático no Brasil.

Em relação aos pontos que mereceram alterações legislativas, talvez um dos mais importantes seja o sistema recursal. O legislador do NCPC, seguindo a ideia que informou toda a estrutura do novo código, de aproveitamento máximo dos atos processuais, deixou isso evidenciado também no que toca aos recursos. Nesse sentido, a falta de qualquer peça que deva acompanhar o recurso, ou a existência de outra espécie de vício sanável, não implica, de plano, na sua inadmissibilidade. Impõe-se, antes, a concessão de prazo para que o recorrente corrija o vício ou complemente a documentação exigida (art. 932, § 5º, CPC/2015). Outra questão importante presente no NCPC é a instituição de regra única no que diz respeito à contagem dos prazos recursais, que passam a ser de 15 dias para qualquer recurso, à exceção dos embargos de declaração, nos termos do art. 1.003, § 5º. Facilita-se, assim o trabalho dos operadores do direito, ficando claro o comprometimento com a efetividade do processo e o abandono do formalismo excessivo, sempre prejudicial.

1. O agravo de admissão do art. 1.042 do NCPC: admissibilidade e cabimento

O artigo 1.042 do NCPC foi modificado pela lei 13.256/16 antes mesmo de sua entrada em vigor. Em um primeiro momento, logo que o novo diploma processual foi sancionado pela então Presidenta Dilma Roussef, em março de 2015, o dispositivo revelava-se bastante extenso e complexo, com diversas hipóteses de cabimento bem específicas, envolvendo tanto o sistema de recurso especial e extraordinário repetitivos quanto o sistema de recursos especiais e extraordinários individuais, não encontrando correspondência com o art. 544 do CPC/73.

O dispositivo em análise previa originalmente que a admissibilidade do recurso de agravo contra decisão denegatória de recurso especial e extraordinário se daria diretamente nos Tribunais Superiores - o que constituiu grande celeuma entre os doutrinadores e operadores do Direito.

Isso porque a realidade dos Tribunais Superiores já é de tremenda complexidade, diante do aumento vertiginoso de processos ano após ano, sendo que a situação poderia se tornar caótica com o início da vigência do novo diploma processual, com a instituição do juízo de admissibilidade apenas no órgão ad quem, de forma repentina.

Os que prestigiaram a primeira versão do art. 1.042 do NCPC, anterior às alterações, sustentam que o juízo de admissibilidade provisório[1] em nada contribui, efetivamente, para a celeridade processual, eis que o Tribunal Superior reanalisa se estão presentes os requisitos de admissibilidade recursal, que já foram verificados pelo tribunal a quo.

De fato, não se pode perder de vista - e as estatísticas demonstram isso[2] - que normalmente a parte que tem o seu recurso especial ou extraordinário inadmitido se vale, efetivamente, do agravo de admissão, que é remetido para análise dos Tribunais Superiores. Nesse sentido, a ideia originalmente constante no NCPC era de que a eliminação da admissibilidade provisória pelo Tribunal Local, mantendo-se apenas a admissibilidade diretamente pelos Tribunais Superiores poderia, de fato, auxiliar na celeridade processual. Como normalmente há a interposição de agravo contra decisão denegatória de recuso especial e extraordinário, o juízo provisório de admissibilidade procedida pelo Tribunal Local acabaria se revelando ineficaz e, por isso, etapa processual desnecessária, que apenas prolongaria o processo.

Contudo, a motivação para a modificação da estrutura de admissibilidade do agravo contra decisões denegatórias de recursos especiais e extraordinários pela Lei 13.256/2016 - trazendo-a novamente para os Tribunais Locais - decorreu de estudos realizados pelas Cortes Superiores, que concluíram que haveria um incremento de aproximadamente 50% no número de recursos distribuídos no Superior Tribunal de Justiça, o que, na visão dos próprios Tribunais Superiores, ameaçaria seu adequado funcionamento[3].

Muito embora a alteração legislativa, em uma análise superficial, tenha apenas previsto o retorno do juízo de admissibilidade no modelo já existente no CPC/73, é prudente observar a mudança no que concerne às formas de impugnação das decisões proferidas pelos Tribunais de Origem no âmbito do novo diploma processual.

Ao contrário do que previa o artigo 544 do CPC/73, a interposição de agravo contra o despacho denegatório sofreu substancial alteração. Pelo código em vigência, as decisões que inadmitirem o recurso extraordinário ou especial com base nos incisos I e III do artigo 1.030 não serão impugnáveis por meio do agravo submetido aos Tribunais Superiores, mas tão somente por meio de agravo interno nos moldes do artigo 1.021 do CPC[4].

Verifica-se que a intenção do legislador foi a de reduzir as chances de interposição de recursos com cunho procrastinatório, baseado em temas cujo entendimento já tenha sido pacificado pelos tribunais, em sede de repercussão geral ou por meio dos recursos processados sob o regime dos repetitivos.

2. Limites e processamento do agravo em recurso especial e extraordinário

Tendo em vista as disposições contidas nos §§ 1º e 2º do art. 1.030 do NCPC, o objeto de devolução (matéria alegável) no agravo do art. 1.042 consistirá na demonstração do equívoco do Tribunal de Origem quando do exame de admissibilidade inicial, já que o agravo de admissão não é cabível contra decisão que aplique entendimento firmado em regime de repercussão geral ou em julgamento de recursos repetitivos.

Sobre o dispositivo em questão ponderam Sérgio Gilberto Porto e Daniel Ustarróz[5]:

O desafio desse modelo reside na identificação de uma forma de viabilizar a oxigenação da jurisprudência, pois conforme o art. 1.042 não caberá agravo de admissão contra decisões que apliquem “entendimento firmado em regime de repercussão geral ou em julgamento de recursos repetitivos”. Nesses casos, será necessário criar outro meio hábil para permitir que, de tempos em tempos, os Tribunais de Brasília conheçam de novos argumentos e possam, eventualmente, rever suas orientações, atualizando a sua jurisprudência.

O parágrafo segundo do art. 1.042 aduz que o agravo deverá ser direcionado para o presidente ou vice-presidente do Tribunal Local e isenta o agravante do pagamento de custas e despesas postais. No âmbito do CPC/73, para o chamado agravo nos autos, contra decisão denegatória de recurso especial ou extraordinário já não havia previsão de recolhimento de custas. A doutrina vinha entendendo que era possível, contudo, por disposição regimental, que fosse instituído preparo para o recurso. O não recolhimento, todavia, não poderia ensejar a aplicação da pena de deserção, pois esta dependeria de previsão legal em lei federal[6]. Nesse sentido, nada impede que o mesmo venha ocorrer posteriormente no que se refere ao agravo de admissão previsto no art. 1042 do NCPC.

Por decorrência do princípio do contraditório, e também da isonomia, o prazo para contrarrazões ao agravo é de 15 dias.

Após o prazo de resposta está prevista a possibilidade de retratação pelo juízo a quo, hipótese em que o agravo perderá o objeto. Não havendo retratação, o recurso será remetido ao Tribunal Superior competente. Adverte Nelson Nery Júnior:

A redação do CPC 1042 § 4º dá a entender que apenas a petição do agravo deve ser remetida ao Tribunal Superior, o que não se coaduna com a sistemática do recurso, já que o Tribunal Superior não teria subsídios para analisá-lo, uma vez que o CPC não elenca, dentre os requisitos formais exigidos, a formação do instrumento. Portanto, não apenas o agravo será remetido ao Tribunal Competente, mas todo o processo, o que também é respaldado pelo que consta do § 7º (“os autos serão remetidos ao Superior Tribunal de Justiça”)[7].

O parágrafo 5º possibilita que o agravo do art. 1.042 seja julgado conjuntamente com o recurso especial ou extraordinário interposto, caso em que poderá haver sustentação oral, devendo ser observados os regimentos internos do STJ e STF.

Caso a parte tenha interposto tanto recurso especial quanto o extraordinário, deverá ser interposto um agravo do art. 1.042 para cada recurso não admitido, ou seja, haverá a interposição de dois agravos, da mesma forma como o CPC/73 já determinava (§ 6º).

Os parágrafos 7º e 8º trazem a “lógica da interposição conjunta: os autos vão em 1º lugar para o STJ e depois para o STF. Só depois do julgamento pelo STJ é que os autos serão encaminhados ao STF”[8].

Apesar de inexistir previsão expressa no art. 1.042, caso fique demonstrado o risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação, assim como a probabilidade de provimento do recurso, entende-se possível a concessão de efeito suspensivo ao agravo em recurso especial e extraordinário, pela aplicação do parágrafo único do art. 995[9] do NCPC. O efeito, por uma questão lógica, deverá ser concedido pelo Tribunal Competente para realizar a admissibilidade recursal. A rigor, então, poderá ser concedido pelo Tribunal Local, sujeito à reanálise pelo Tribunal Superior.

[1] Ou duplo juízo de admissibilidade.

[2] Pesquisa científica realizada pelo Conselho Nacional de Justiça em parceira com a Fundação Getúlio Vargas, a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e a Pontifícia Universidade Católica do Paraná, sobre demandas repetitivas e morosidade judiciária, buscou descobrir as razões desse superestímulo de acesso ao Judiciário. Disponível em

http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2016/03/f7b1f72a0d31cc1724647c9147c4b66b.pdf. Acesso em 3/02/17.

[3] PORTO, Sérgio Gilberto. Manual dos Recursos Cíveis / Sérgio Gilberto Porto, Daniel Ustarróz. – 5. Ed. Rev. E atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2016, p. 268.

[4] Já havia julgados no Superior Tribunal de Justiça no sentido da inadmissibilidade do agravo do art. 544 e cabimento do agravo regimental, junto ao tribunal a quo, em casos de recurso especial interposto contra decisão que negasse seguimento a recurso especial com base no art. 543, 7º, inciso I, do CPC revogado. Para aprofundamento vide Questão de Ordem no Agravo nº 1.154.599, julgado em 2011.

[5] PORTO, Sérgio Gilberto. Manual dos Recursos Cíveis / Sérgio Gilberto Porto, Daniel Ustarróz. – 5. Ed. Rev. E atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2016, p. 270.

[6] NERY JUNIOR, Nelson. Comentários ao Código de Processo Civil / Nelson Nery Junior, Rosa Maria Andrade Nery. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 2220.

[7] NERY JUNIOR, Nelson. Comentários ao Código de Processo Civil / Nelson Nery Junior, Rosa Maria Andrade Nery. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 2219.

[8] WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Primeiros comentários ao novo código de processo civil: artigo por artigo, 2015, p. 1525.

[9] Art. 995. Os recursos não impedem a eficácia da decisão, salvo disposição legal ou decisão judicial em sentido diverso. Parágrafo único. A eficácia da decisão recorrida poderá ser suspensa por decisão do relator, se da imediata produção de seus efeitos houver risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação, e ficar demonstrada a probabilidade de provimento do recurso.
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