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O Comparecimento Espontâneo do Réu no CPC/15

Por: Niely Krohling
Graduada em Direito pela Universidade Federal de Viçosa. Pós-graduanda em Processo Civil na FDV. Estagiária de pós-graduação na 1ª Vara Cível de Vitória - TJ/ES.


O processo deve ser entendido como um instituto dialético, sendo-lhe intrínseca a ideia do contraditório, o qual deve ser interpretado em seu viés dinâmico. Partindo-se desse ponto, notório o fato de que os atos de comunicação acerca das ocorrências processuais devem merecer especial atenção.

Dentre os atos de comunicação processual, destaca-se o de citação, que afigura-se como espécie de ato processual por meio do qual a parte demandada é informada sobre a existência de processo em seu desfavor e é chamada a integrar a relação processual para atuar de acordo com seus interesses. A importância desse ato é tão evidente que a própria legislação processual se preocupou em conceituá-lo (art. 238 do CPC/15). Ademais, de acordo com o caput do art. 239 do CPC/15, o ato ora analisado constitui pressuposto processual de validade, e sua inexistência ou sua realização em desconformidade com os preceitos legais configura elemento apto a ensejar a nulidade do processo.

Todavia, a execução dessa diligência formal pode ser dispensada quando a parte demandada comparece espontaneamente ao processo, ocasião em que tem início a contagem de eventuais prazos para manifestação, conforme o caso.

O suprimento dessa diligência, conforme indicado acima, tem previsão expressa na legislação processual civil por meio do art. 239, § 1º do CPC/15, e tem fundamento no princípio da instrumentalidade das formas, norteador da teoria da nulidade em nosso ordenamento. Explica-se. Se o ato de citação tem por finalidade trazer o réu ao processo, seu comparecimento espontâneo, mesmo quando inexistente ou viciada a citação, não pode ensejar consequências contraproducentes a todo o processo.

Diante dessa possibilidade, surge um problema: o que se deve entender por “comparecimento espontâneo”? Não se preocupou o legislador pátrio em delinear os atos que configuram tal hipótese de ciência inequívoca. Assim, inúmeros são os questionamentos atinentes às posturas que podem ou não configurar o comparecimento espontâneo.

Dentre esses questionamentos, merece especial atenção aquele referente ao ato de juntada de procuração sem a outorga de poderes específicos para receber citação judicial. Frente a essa hipótese, questiona-se: teria esse ato o condão de representar o comparecimento espontâneo da parte demandada?

Uma análise apressada do art. 105 do CPC/15 poderia levar ao entendimento de que somente a apresentação de procuração com poderes específicos para receber citação judicial daria ensejo ao reconhecimento judicial do comparecimento espontâneo da parte demandada. Esse, inclusive, é o entendimento tradicionalmente adotado[1], sem muitas discussões, pelos tribunais pátrios, sendo ainda majoritário na doutrina.

Contudo, esse posicionamento não mais pode ser aceito diante das atuais perspectivas relacionadas ao direito processual civil, mormente aquelas referentes à ideia de que o processo deve ser menos formal, prestigiando-se, assim, sua efetividade[2].

Com efeito, notório o fato de que, de ordinário, a atuação da parte em juízo se dá por meio de advogado constituído por contrato de mandato, do qual é instrumento a procuração. Dessa forma, o comparecimento da parte demandada por meio da juntada de procuração, ainda que sem poderes específicos para receber citação judicial, deve ser considerado como ato que caracteriza o comparecimento espontâneo. Se assim não fosse, não haveria justificativa para a outorga de poderes a advogado com fins de atuação na demanda, pois sequer haveria conhecimento sobre a sua existência.

Ademais, a ausência de indicação de poder específico para recebimento de citação judicial é consectário desse comparecimento espontâneo por meio da juntada de procuração.

Se a parte demandada comparece indicando a outorga de poderes a advogado para que este atue no processo, é porque já tem ciência sobre sua existência. Assim, não há mais a necessidade da realização de diligência formal de citação, e, portanto, de outorga de poderes específicos para recebimento de citação judicial.

Destaca-se, ainda, que não se pode confundir o instituto da representação processual com o da citação na pessoa do representante ou mandatário do demandado. Isso porque a outorga de poder específico para recebimento de citação somente seria exigível nos casos em que o cumprimento do mandado de citação fosse realizado na pessoa do advogado da parte demandada. Contudo, nesse caso, não estaria em discussão o comparecimento espontâneo do demandado, eis que a citação teria se formalizado pela via habitual.

A despeito da interpretação comumente realizada acerca da temática abordada, o Superior Tribunal de Justiça tem proferido decisões (REsp 805.688[3]) que embasam a análise ora realizada e que servem como indicativo de mudança de orientação[4]. Essa alteração jurisprudencial merece elogios, pois raciocínio diverso poderia prestigiar atuações fundadas em má-fé processual, por meio da realização de manobras no intuito de retardar a prestação jurisdicional.

Há de se destacar, todavia, que a presunção de conhecimento acerca da existência da demanda, nos moldes ora analisados, não pode ser entendida como absoluta, sob pena de se suprimir do demandado o direito ao devido processo legal, em especial no que tange ao princípio do contraditório. Assim, caso exista alguma irregularidade quanto à procuração juntada aos autos, deve ser reconhecido ao demandado o direito de demonstrar que não teve ciência da existência de processo em seu desfavor, comprovação que poderá ser feita por meio da apresentação de simples petição nos autos do processo já em curso, ou mesmo por meio de processo autônomo com fins de declaração, por exemplo, da ocorrência de um dos defeitos do negócio jurídico (CC, arts. 138 e seguintes).

Diante do exposto, constata-se que a regra do art. 105 do CPC/15 deve ser interpretada de maneira sistêmica com as demais normas e princípios processuais, em especial aqueles atinentes à instrumentalidade das formas, eis que a concessão de poderes para receber citação judicial somente será necessária nos casos em que o cumprimento da diligência de citação se der por meio da pessoa do advogado.

Portanto, o aviamento de procuração aos autos, mesmo sem a indicação de poderes específicos para receber citação judicial, deve ser entendido como ato bastante para configurar a ciência inequívoca do demandado acerca da existência do processo, e, a partir desta data, deverão fluir os prazos para manifestação, conforme indicar o procedimento.

[1] REsp 193.106/DF, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/10/2001, DJ 19/11/2001, p. 261.

[2] Neste sentido, WAMBIER, Teresa Arruda Alvim… […] et al. 1. Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. P. 239.

[3] REsp 805.688/SP, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/06/2009, DJe 25/06/2009.

[4] Neste sentido, WAMBIER, Teresa Arruda Alvim… […] et al. 1. Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. P. 239.
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