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Suspensão do Processo por "Licença Maternidade": aspectos práticos da Lei n. 13.363/2016

Por: Fredie Didier Jr.; Paula Sarno Braga e Beatriz Galindo
Livre-docente (USP), Pós-doutorado (Universidade de Lisboa), Doutor (PUC/SP) e Mestre (UFBA). Professor-associado de Direito Processual Civil da Universidade Federal da Bahia. Diretor Acadêmico da Faculdade Baiana de Direito. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual, do Instituto Ibero-americano de Direito Processual, da Associação Internacional de Direito Processual e da Associação Norte e Nordeste de Professores de Processo. Advogado e consultor jurídico.
Mestre e Doutora (UFBA). Professora de Direito Processual Civil da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e da Faculdade Baiana de Direito. Professora e Coordenadora do Curso de Especialização em Direito Processual Civil (da Faculdade Baiana de Direito). Coordenadora do Projeto Mulheres no Processo Civil Brasileiro do IBDP. Advogada e Consultora Jurídica.
Mestranda pela Universidade de Lisboa, pós-graduada em Direito Processual Civil pela PUC-Rio e graduada pela Universidade Federal Fluminense. Advogada.


No dia 28 de novembro de 2016, celebrou-se uma importante conquista para a mulher advogada: a entrada em vigor da Lei n. 13.363/2016, que se propôs a alterar o CPC/15, trazendo novas garantias para a advogada grávida, lactante, adotante ou parturiente.

O art. 313 do CPC é o local onde se encontra a principal mudança[1]. Nele foi incluído o inciso IX, que prevê a suspensão do processo por 30 dias em caso de a única advogada responsável pelo processo der à luz ou adotar alguém.

A lei também confere outros benefícios, inclusive a suspensão do processo por 08 dias, quando o advogado responsável pelo processo, que atua como o único patrono da causa, se tornar pai, biológico ou adotivo (art. 313, X, CPC/15).

É o inciso IX, porém, que já vem movimentando os debates. Em meio a críticas ao suposto prejuízo para a duração razoável do processo, a novidade foi comemorada pelas advogadas autônomas, que sofrem com a contratação de profissionais substitutos durante a improvisada licença maternidade.

Uma crítica, em especial, merece a devida atenção.

Edilson Vitorelli, já na primeira leitura do referido diploma normativo, lançou um prognóstico para o inciso IX do art. 313, considerando-o, “do ponto de vista operacional, irrealizável e, por isso, fadado ao completo esquecimento” [2]. Justifica seu presságio na dificuldade de observância dos requisitos exigidos pela lei para que a advogada parturiente e mãe goze do benefício referido, i. E.: (i) ser a única patrona da causa; (ii) juntada, na data da realização do parto, da certidão de nascimento ou documento correspondente que comprove a sua realização; e, isso tudo, desde que, (iii) tenha havido a prévia notificação do cliente. A partir daí, o autor levanta algumas questões que inviabilizariam a funcionalidade prática do instituto.

A primeira provocação de Vitorelli consiste na constatação da inviabilidade prática de a advogada, no dia do parto, peticionar em todos os casos em que atua, requerendo a imediata suspensão do feito. Todo aquele que já passou, direta ou indiretamente, pela experiência de viver os primeiros dias da mãe após o nascimento de um bebê, sabe que é um período de dedicação absoluta à maternidade, sendo ilusório imaginar que a referida exigência pudesse ser atendida.

O § 6º do art. 313 do CPC não exige que a certidão de nascimento seja juntada no dia do parto; o dia do parto é apenas o dies a quo da suspensão. Não parece correta a interpretação de Vitorelli, neste ponto, que parece ter identificado uma exigência que não consta do texto normativo e que, aí sim, o inviabilizaria; seria como, por simetria, exigir que se junte a certidão de óbito no dia da morte da pessoa, para fim da suspensão a que se refere o inciso I do art. 313 do CPC.

De todo modo, a lei, como qualquer outra, precisa ser adequadamente interpretada.

Uma interpretação teleológica e sistemática impõe a observância de que, assim como nas hipóteses de suspensão por convenção das partes, morte, perda da capacidade e força maior, a paralisação do feito dar-se-á imediatamente após ocorrência do fato gerador – i. E., o parto com nascimento do filho ou concretização da adoção – e independentemente da apresentação de qualquer documentação ou de decisão judicial. A eficácia retroativa da decisão de suspensão do processo, em tais casos, é amplamente aceita pela doutrina e pelos tribunais[3]. E não poderia ser diferente. Basta imaginar o caso do rompimento da barragem da Samarco, em Minas (evento extraordinário): os processos somente ficariam suspensos após a decisão judicial, certamente proferida muitos dias ou meses depois do evento? Evidentemente que não.

Se no curso da “suspensão por maternidade” correr algum prazo ou for praticado algum ato que pressupunha sua atuação (ex.: audiência), ao fim do período de suspensão bastará que a advogada peticione nos autos pedindo a devolução do prazo ou a repetição do ato, comprovando a ocorrência do parto (com certidão de nascimento ou documento similar).

Nesse caso, a decisão do juiz que acolha o seu pleito terá eficácia retroativa, pois o processo já estaria suspenso desde a data em que ocorreu o fato jurídico que deu ensejo à suspensão[4]. A suspensão deve retroagir à data do evento imprevisto. Deve-se considerar o processo suspenso desde então.

Portanto o juiz não é responsável por suspender o feito, mas, sim, reconhecer a existência do fato jurídico processual e de seu efeito suspensivo do processo desde a data da sua ocorrência. Partindo-se desta premissa, há muito estabelecida pela doutrina[5] e jurisprudência para as causas de suspensão do processo, nada impede, como dito, que a advogada peticione nos autos em momento posterior, informando da suspensão ocorrida quando do nascimento do seu filho. Dessa forma, dois problemas são resolvidos: não haverá necessidade de se peticionar em absolutamente todos os processos em que atua, apenas naqueles em que houve real prejuízo; bem como não será essencial o peticionamento no exato dia do parto, tal como sugerido por Vitorelli.

Com essa solução interpretativa, preserva-se a finalidade maior da norma que é garantir o exercício livre e digno da profissão pela advogada mãe, parturiente e lactante, bem como os cuidados necessários para a criança que acaba de nascer.

A segunda provocação de Vitorelli diz respeito à exigência legal de prévia notificação dos clientes da advogada parturiente, quando se questiona: a notificação deve ser feita antes ou depois do parto? Seria necessária a comprovação nos autos desta comunicação? Em sua visão, este aviso poderia trazer insatisfação ao cliente, que se consideraria prejudicado com a paralisação do processo.

Primeiramente, essa notificação do cliente somente pode dizer respeito à relação jurídica de representação judicial. Não parece que a exigência possa ser considerada pressuposto para o efeito de suspensão do processo judicial. O âmbito de proteção da regra é o exercício da maternidade, bem jurídico relevante tanto para a proteção da mulher quanto da criança. A comunicação ao cliente é relevante para o desenvolvimento da relação contratual entre advogada e seu cliente, mas nada tem a ver com a necessidade de suspensão do processo em razão do parto ou da adoção. Não é por acaso que a lei não exige a juntada nos autos dessa notificação – exige a notificação, repita-se, mas não a sua juntada aos autos, exatamente porque ela é anódina para fim dessa hipótese de suspensão do processo.

Além disso, não seria razoável exigir que essa notificação fosse feita imediatamente no dia do parto ou logo após sua ocorrência, pelas mesmas razões acima expostas. Talvez uma opção seja a advogada, quando já munida de relatório médico com previsão de data possível para o parto, promova a notificação de seus clientes por carta com aviso de recebimento, carta com recibo pessoal, email cujo recebimento seja confirmado, ou qualquer outra via de comunicação que permita a comprovação do seu efetivo recebimento pelo cliente. Essa mesma providência pode ser tomada nos autos, com um aviso prévio ao juízo da iminente ocorrência de fato gerador de suspensão do feito – bem como na notificação prévia do cliente a seu respeito. Seria uma exigência de boa-fé e cooperação, próprias da relação entre cliente e mandatário.

Há, ainda, outra possibilidade.

É perfeitamente possível que seja previamente estabelecida uma cláusula contratual – de preferência inserida no corpo do contrato de prestação de serviços advocatícios –, em que o cliente já tome ciência de eventual suspensão automática do processo em caso de eventual e futura maternidade/paternidade do advogado (a) que seja o (a) único (a) responsável pelo processo, independentemente de futura notificação. É negócio jurídico, firmado entre o (a) advogado (a) e seu cliente, que evita desencontros e elimina os custos envolvidos com o envio de notificações postais (ou por outras vias onerosas).

Ora, se o objetivo do legislador era deixar o cliente a par da suspensão, negociar este direito da advogada (ou do advogado) antes mesmo da contratação é a maneira mais benéfica ao cliente, que conhecerá desde logo as condições do serviço oferecido, sem ser surpreendido no curso do processo.

O problema é contar que essas propostas interpretativas aqui colocadas sejam efetivamente adotadas por juízes de todo o país. É necessária e urgente a unidade interpretativa. Enunciados de Fóruns, como o FPPC – Fórum Permanente de Processualistas Civis, precisam ser concebidos e aprovados com urgência. O Conselho Federal da OAB há que se articular com o Judiciário para elaborar um protocolo institucional (um negócio processual que alcança processos indeterminados) que esclareça em que termos esse enunciado normativo deve ser interpretado e aplicado; o CNJ também pode ajudar na concretização dessas regras, como sugeriu Gisele Góes, também em conversa virtual. Não se pode excluir, ainda, a possibilidade de leis estaduais suplementares regulamentarem a matéria no plano local, enquanto não houver uma uniformidade de entendimento nacional (art. 24, § 2.º, CF).

É certo que o texto da Lei n. 13.363/16 poderia ser mais minudente e claro quanto ao termo inicial do prazo de suspensão do processo em caso de parto. Suas eventuais omissões e obscuridades podem e devem ser supridas com uma adequada leitura doutrinária e jurisprudencial.

Tomadas essas cautelas e precauções, resta a todos nós comemorar essas novas garantias incorporadas ao CPC/15, que certamente implicarão mudanças significativas na rotina da advogada (e do advogado) autônoma brasileira.

[1] ““Art. 313. (...)

IX - pelo parto ou pela concessão de adoção, quando a advogada responsável pelo processo constituir a única patrona da causa;

X - quando o advogado responsável pelo processo constituir o único patrono da causa e tornar-se pai. (...)

§ 6o No caso do inciso IX, o período de suspensão será de 30 (trinta) dias, contado a partir da data do parto ou da concessão da adoção, mediante apresentação de certidão de nascimento ou documento similar que comprove a realização do parto, ou de termo judicial que tenha concedido a adoção, desde que haja notificação ao cliente.

§ 7o No caso do inciso X, o período de suspensão será de 8 (oito) dias, contado a partir da data do parto ou da concessão da adoção, mediante apresentação de certidão de nascimento ou documento similar que comprove a realização do parto, ou de termo judicial que tenha concedido a adoção, desde que haja notificação ao cliente.” (NR)”.

[2] VITORELLI, Edilson. Mudou o CPC! As boas intenções das quais o inferno está cheio. Disponível em: < http://www.edilsonvitorelli.com/2016/11/mudouocpc-as-boas-intencoes-das-quais.html>. Acesso em 30 nov 2016.

[3] EDcl no REsp 861.723/SP, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/06/2009, DJe 25/06/2009; AgRg na AR 2.995/RS, Rel. Ministro GILSON DIPP, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 10/03/2004, DJ 19/04/2004, p. 151; REsp 32.667/PR, Rel. Ministro FONTES DE ALENCAR, QUARTA TURMA, julgado em 24/06/1996, DJ 23/09/1996, p. 35109.

[4] ARAGÃO, Egas Dirceu Moniz. Comentários ao Código de Processo Civil. V. II. 9 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 368.

[5] ARAGÃO, Egas Dirceu Moniz. Comentários ao Código de Processo Civil. V. II. 9 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 368; THEODORO JR, Humberto. Novo Código de Processo Civil – Anotado. 20 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.
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