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A posição dos Tribunais após um ano de vigência do CPC/2015: Afinal, o rol do art. 1015 é taxativo?

Por: Paula Menna Barreto
Mestranda em Direito Processual pela UERJ. Advogada no Marinho e Valim Advogados.


Como é de conhecimento geral, o agravo de instrumento é o recurso cabível para impugnar decisões interlocutórias.

Antes da entrada em vigor do novo CPC, o agravo era o recurso utilizado em face de qualquer decisão interlocutória, de modo a evitar a preclusão da matéria. Este poderia ser interposto nas modalidades de instrumento ou retido nos próprios autos, conforme o caso.

O novo Código de Processo Civil, além de extinguir a figura do agravo retido, alterou a previsão anterior para delimitar, taxativamente, as decisões que estão sujeitas ao agravo.

A bem da verdade, a nova lei enumerou certas hipóteses de evidente prejuízo de ordem material ou processual imediato, deixando a recorribilidade das demais interlocutórias para um momento posterior à sentença, através do recurso de apelação ou pela via das contrarrazões.

Já durante a tramitação no Legislativo do Projeto de Lei do atual Código de Processo Civil surgiram acaloradas discussões sobre essa taxatividade do rol previsto no artigo 1.015[1].

Isso porque os poucos incisos (12 no total) não conseguem contemplar todas as hipóteses em que, na fase de conhecimento, se demande a imediata apreciação da questão por parte do Poder Judiciário, a impor o cabimento de recurso de agravo.

Nesse contexto, com a promulgação do NCPC em sua versão final pelo Senado Federal, parte da doutrina passou a defender a possibilidade de interpretação extensiva ou analógica do artigo 1.015[2].

Os defensores dessa corrente entendem que a taxatividade do cabimento do recurso de agravo de instrumento não impede a interpretação extensiva de seus incisos, em contraposição a uma interpretação literal.

Interpretar extensivamente o texto normativo atenderia, assim, aos fins “econômicos, sociais ou políticos mais aceitáveis, mais adequados e menos problemáticos”[3].

Há, ainda, os defensores da tese de que essa taxatividade acarretará unicamente na proliferação da impetração de mandado de segunraça, visando a garantir direitos líquidos e certos, os quais demandam imediata proteção e não podem aguardar a sua impugnação diferida[4].

Apesar do interessantíssimo debate, não aprofundaremos, nesta edição comemorativa, os argumentos favoráveis ou desfavoráveis às diversas correntes, nos limitando a apontar o posicionamento dos diversos Tribunais sobre o tema.

Inicialmente, é importante destacar que, em um primeiro momento, a nova lei não parece ter acarretado uma diminuição no número de recursos interpostos em face das diversas decisões interlocutórias proferidas ao longo do processo.

Não obstante o posicionamento adotado pelos Tribunais de que o rol previsto no NCPC seria, sim, taxativo, verifica-se ainda um número muito significativo de recursos interpostos versando, especialmente, sobre (i) deferimento ou indeferimento de provas; (ii) fixação de honorários periciais; (iii) rejeição da alegação de prescrição; e (iv) competência.

A prevalência do entendimento da taxatividade pode ser verificada pelos seguintes acórdãos, citados a título exemplificativo, dos Tribunais de São Paulo[5], Minas Gerais[6], Rio de Janeiro[7] e Rio Grande do Sul[8].

A taxatividade vem sendo observada mesmo nas hipóteses citadas pelos defensores da tese de interpretação extensiva. Ou seja, em sua maioria, os Tribunais vêm rejeitando a tese de análise ampliativa do dispositivo, a fim de enquadrar casos que discutem, por exemplo, sobre competência[9].

Entrentanto, verificam-se alguns poucos acórdãos do Tribunal do Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, que defendem que o rol não é taxativo, apesar de não ser meramente exemplificativo[10].

Além disso, esses mesmos Tribunais já se manifestaram favoravelmente à ampliação da interpretação do inciso III – o qual versa sobre a rejeição da alegação de arbitragem-, para englobar também a arguição de competência do Juízo[11] [12].

Isso demonstra um encampamento pela jurisprudência, mesmo que ainda minoritário, pela aplicação da tese ampliativa da interpretação. Nos citados acórdãos os Tribunais não afastam a taxatividade, mas defendem a necessidade de sua interpretação de forma extensiva, evitando-se alguns absurdos que poderiam ser gerados pela observância cega do dispositivo legal.

Há de se ter em mente que essa é uma questão de enorme relevância prática, considerando que as decisões que tiverem abarcadas no artigo 1.015, do novo CPC são passíveis de preclusão.

Apesar da relevância, devido ao curto tempo de vigência da Lei (1 ano), o Superior Tribunal de Justiça ainda não se pronunciou sobre o tema. A pacificação da questão de direito infraconstitucional será imprescidível para trazer segurança jurídica e delimitação para essa questão, que hoje se mostra ainda cinzenta.

[1] Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre:

I - tutelas provisórias;

II - mérito do processo;

III - rejeição da alegação de convenção de arbitragem;

IV - incidente de desconsideração da personalidade jurídica;

V - rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação;

VI - exibição ou posse de documento ou coisa;

VII - exclusão de litisconsorte;

VIII - rejeição do pedido de limitação do litisconsórcio;

IX - admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros;

X - concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo aos embargos à execução;

XI - redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1o;

XII - (VETADO);

XIII - outros casos expressamente referidos em lei.

Parágrafo único. Também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário.

[2] Por todos CUNHA, Leonardo Carneiro da; DIDIER JR., Fredie. Agravo de instrumento contra decisão que versa sobre competência e a decisão que nega eficácia a negócio jurídico processual na fase de conhecimento: uma interpretação sobre o agravo de instrumento previsto no CPC/2015. Revista de Processo. São Paulo: RT, v. 242, 2015, p. 273-282, e CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. São Paulo: Atlas, 2015, p. 520.

[3] DIDIER Jr., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil: o processo civil os tribunais, recursos, ações de competência originária de tribunal e querela nullitatis, incidentes de competência originária de tribunal. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 211).

[4] Gilberto Gomes Bruschi, ao comentar o artigo 1.015, do CPC/15, levanta a polêmica hipótese de decisões que possam causar à parte lesão grave e de difícil reparação, que não estejam taxativamente previstas no Código, abordando a possibilidade aparente de cabimento de mandado de segurança contra esse ato judicial. (Breves comentários do Novo Código de Processo Civil / Teresa Arruda Alvim Wambier... [et at.], coordenadores. São Paulo: RT, 2015, p. 2251).

[5] Agravo de Instrumento nº 2180957-06.2016.8.26.0000; Agravo de Instrumento nº 2018071-26.2017.8.26.0000.

[6] Agravo de Instrumento nº 0105512-42.2017.8.13.0000; Agravo de Instrumento nº 0757098-96.2017.8.13.0000.

[7] Agravo de Instrumento nº 0017620-30.2017.8.19.0000; Agravo de Instrumento nº 0017140-52.2017.8.19.0000; Agravo de Instrumento nº 0016986-34.2017.8.19.0000.

[8] Agravo de Instrumento nº 700073325037; Agravo de Instrumento nº 70073248270.

[9] TJRJ (Agravo de Instrumento nº 0008847-93.2017.8.19.0000; Agravo de Instrumento nº 0013579-20.2017.8.19.0000) TJSP (Agravo de Instrumento nº 2008367-86.2017.8.26.0000; Agravo de Instrrumento nº 2247213-28.2016.8.26.0000) TJMG (Agravo de Instrumento nº 0670906-70.2016.8.13.0000; Agravo de Instrumento nº 0913001-34.2016.8.13.0000).

[10] TJRJ, Agravos de Instrumento nº 0018876-08.2017.8.19.0000 e nº 0017018-39.2017.8.19.0000.

[11] TJRJ (Agravo de Instrumento nº 0049324-95.2016.8.19.0000); TJSP (Agravo de Instrumento nº 2238791-64.2016.8.19.000).

[12] Antes desse artigo ir ao ar, o Professor Elias Marques de Medeiros Neto publicou na Coluna CPC na prática um artigo abordando especificamente esse questão, ao qual fazendo honrosa referência (http://m.migalhas.com.br/coluna/cpc-na-pratica/257592/agravo-de-instrumento-recentes-julgados-que-autorizamainterposicao) (visto em 20/04/2017)
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