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“Ninguém nunca fez a diferença sendo igual ao resto”

Por: Suzana Cremasco
Doutoranda em Direito pela Universidade de Coimbra em processo de co-tutela com a Universidade de São Paulo. Mestre em Direito Processual Civil pela UFMG. Professora da Faculdade de Direito Milton Campos. Secretária Adjunta do IBDP - Instituto Brasileiro de Direito Processual para Minas Gerais. Advogada.


Não é fácil dizer os caminhos e descaminhos que fazem com que uma aluna do curso de Direito sonhe, um dia, em se tornar processualista. No caso dela, isso aconteceu pelas mãos de um texto sobre verossimilhança das alegações de autoria do mestre José Carlos Barbosa Moreira.

Era início dos anos 2000, o Professor Barbosa Moreira era um dos mais incríveis processualistas do país e o direito processual civil brasileiro vivia mais uma de suas inúmeras e sucessivas ondas de reforma, sempre buscando solucionar o problema crônico de demora na solução dos conflitos submetidos ao Poder Judiciário e de qualidade da prestação jurisdicional.

Não, não havia sido fácil para que aquela menina – no auge dos seus vinte anos –conseguisse chegar à Faculdade de Direito e, assim, driblar o destino até então esperado, comumente traçado para uma moça nascida e criada numa família de origem simples, numa comunidade da Zona Norte do Rio de Janeiro.

Mas poucas coisas podem ser tão fortes – e tão poderosas – quanto aquilo que acontece quando o talento se encontra com o sonho e é estimulado pela paixão. E aquela menina driblou mais uma vez o destino, não se contentou em concluir a graduação em Direito e entrou no seu primeiro curso de especialização.

O trabalho final sobre a coisa julgada e os limites da sua relativização, terminado logo por ali quando o presidente do Senado Federal nomeou a Comissão de Juristas responsável por elaborar o Anteprojeto de Novo Código de Processo Civil, já era um indicativo daquilo que estava por vir. E o caminho natural foi que aquela menina entrasse então no seu segundo curso de especialização, na PUC/Rio, dessa vez em direito processual civil puro, e ali visse nascer um segundo trabalho final sobre efetividade do processo.

Os anos que se seguiram entre a nomeação da Comissão de Juristas – em setembro de 2009 – e a promulgação do Código de Processo Civil – em março de 2015 – foram anos efervescentes no ambiente acadêmico pelo país afora. E foi assim que aquela menina que se apaixonou pelo processo ainda na graduação se transformou em professora substituta de direito processual civil e do núcleo de prática jurídica na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e em professora do curso de especialização em processo civil, na PUC/Rio.

Como professora, ela esteve entre os inúmeros jovens que encontraram espaço livre de opinião e debate nos diversos Fóruns Permanente de Processualistas Civis, capitaneados pelo Professor Fredie Didier Júnior, a partir de 2013.

Mas ainda era preciso que aquela menina driblasse o destino não uma, mas duas vezes, para que ela pudesse avançar no seu sonho. O primeiro drible – e talvez o mais difícil deles – foi se submeter ao processo seletivo do Programa de Pós-Graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e, ao se ver aprovada no mestrado, se mudar do Rio, deixando para trás a sua pequena Catarina. O segundo drible – e talvez o mais importante deles – foi levantar a voz – e ser voz – no combate a um problema terrível: a falta de representatividade feminina, a exclusão, a discriminação e o machismo no ambiente jurídico-acadêmico no Brasil.

A criação da ideação Processualistas – da qual ela é uma das fundadoras – e cujo texto de abertura, datado de 14 de abril de 2016, chamou a atenção para o então reduzido número de professoras palestrantes na programação das XXV Jornadas Iberoamericanas de Direito Processual – a despeito da igualdade de composição de gênero na comunidade científica – colocou a questão da participação feminina no processo civil brasileiro na ordem do dia.

Em pouco mais de um ano e meio, a Processualistas se transformou em veículo oficial de comunicação do Projeto Mulheres do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP) e teve a alegria de receber textos e vídeos de algumas das principais professoras de processo do Brasil. As Processualistas, por sua vez, estiveram presentes nas Jornadas de Processo em Porto de Galinhas, nos Congressos Mulheres do Processo Civil realizados em Salvador, Porto Alegre e Belém, lançaram a coletânea Recursos no CPC/2015: Perspectivas, Críticas e Desafios e criaram, também em conjunto com o IBDP, a Competição Brasileira de Processo – Professor José Carlos Barbosa Moreira, com a qual se pretende dar um passo além em busca de igualdade.

Pouco a pouco – e não sem a resistência natural de quando se bate de frente com a ordem posta– aquela menina viu a questão da representatividade feminina no universo do processo se tornar de vez pauta e, gradativamente, ir se concretizando.

E essa menina, que sempre procurou ser diferente e fazer a diferença, chegou a esse dezembro de 2017 com uma conquista pessoal importante: na última quinta-feira, ela, Professora Carolina Uzeda Libardoni, obteve o título de mestre em Direito Processual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. E o trabalho, um belíssimo ensaio sobre o interesse recursal, não só obteve nota máxima na defesa, como foi agraciado com distinção e louvor pela banca examinadora composta pelo orientador, Professor Doutor Sérgio Seiji Shimura, pela Professora Doutora Teresa Arruda Alvim e pelo Professor Doutor Ronaldo Cramer.

Não, não é uma conquista simples. Não, não é tão só mais um título de mestrado. Especialmente quando se olha para ela com os olhos do debate sobre representatividade feminina e da ampliação do espaço para mulheres no universo jurídico. O que faz o título especial é que ela traz consigo a história de uma moça que precisou desafiar o destino algumas vezes. E não desistiu. A história da moça que se desdobra no papel de mãe, dona-de-casa, professora e advogada. E vai além. A história da moça que renuncia a sabe-se lá quantas madrugadas, sábados, domingos e feriados, com a convicção de estar construindo um mundo melhor, mais justo, mais igual, para que meninas e meninos possam viver.

Nós, da Processualistas, que convivemos com você, Carol, ao longo desses anos, não só ficamos felizes e orgulhosas em te ver mestre, mas te agradecemos pelo espírito crítico, pelo senso de humor peculiar, pelo intercâmbio de ideias e de ideais e, sobretudo, te parabenizamos pela conquista. Tenha, certeza, que você é fonte de ação e de inspiração para todas nós, sempre.
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